sexta-feira, 18 de dezembro de 2009



Prólogo.

A vida é a arte do encontro, já dizia o grande mestre Vinícius de Morais.
Eduardo e Mônica, personagens da música de Legião Urbana, perdem para Anita e Gilberto. Nunca escrevi uma história romântica, talvez por não saber conduzi-la. Sou tão atrapalhada em minhas próprias situações, que dissertar sobre as dos outros seria uma experiência lastimável. Mas, a minha cabeça fervilha e implora por vivências.
Isso! Foi uma vivência que me deu inspiração suficiente para relatar o meu primeiro conto-romance de gaveta. A inexistente relação de Anita e Gilberto era o que havia de mais legal. Este propósito me levou a escrever (e criar) a história. Amor platônico? Fica ao seu critério...

Parte I - O trágico fim.

O fato é que Gilberto levava Anita tão a sério, a ponto de enviar, no meio da madrugada, a seguinte mensagem suicida para uma amiga: “Por que ninguém consegue gostar de mim?”.
Era 1h30. Aline deu um pulo da cama com a frase que acabara de ler. Como ela não sabia decorado de quem era o número, começou a procurar desesperadamente na agenda telefônica. Até que, enfim, chegou no Gilberto.

- “Deve tá bêbado”, pensou ela, voltando a deitar a cabeça no travesseiro para não perder o sono.

Aline já imaginava o porquê de Gilberto enviar a maldita mensagem de madrugada. E ela ficava mais puta da vida quando o seu pensamento era confirmado.
No outro dia, ela o procurou para saber o que diabos tinha acontecido. Aline e Gilberto conversavam bastante por e-mail, já que passavam o dia em seus respectivos trabalhos. Apesar de uma profissão vagabunda de jornalista, eles não eram vagabundos.
Vez ou outra, tinham diálogo e brigas intermináveis a respeito da tal menina que Gilberto se apaixonou perdidamente. Ele não é otário, mas se comportava como um quando falava de sua amada.

- “Que mensagem foi aquela que você me enviou ontem de madrugada?”
- “Desculpa, mas é que eu estava muito mal. E como você é a única pessoa que sabe sobre Anita, sobrou pra você o desabafo. Prometo não fazer de novo.”
- “Tudo bem, mas tá na hora de você começar a esquecer, definitivamente, essa mulher...já chega, Giba”
- “Vi Anita com um cara ontem no show. Ele era feio pra caralho e mais velho do que eu. Não me conformei, surtei e fui embora.”

O p.s do e-mail dizia: 24h sem dormir e cheio de nicotina no sangue. Não sei como essa sexta-feira vai terminar.

Parte II - O início: um show de rock.

Vamos ao começo da história. Um início convencional, do tipo “Era uma vez...”

Gilberto não costumava se arrumar muito para sair. Colocou a velha calça, a blusa frouxa e os sapatos que imploravam para ser doados. Tinha um cabelo comprido, típido de metaleiro.
Foi à rua, como sempre, bastante desanimado. Ele não disfarçava nem a cara azeda. Fazia questão de ser chato mesmo. E não adiantava reclamações, ele iria franzir a testa quando fosse preciso.
O destino daquela noite foi um de show de rock pesado. O lugar estava cheio de gente. Gilberto chegou e foi logo comprar uma cerveja para ser sua companheira. Com os braços cruzados, ficava atendo olhando ao seu redor.
Ele era um rapaz bastante observador, tinha uma olhar crítico em relação a tudo. O pessimismo também lhe acompanhava. Nada parecia estar bom. Sempre havia algo para criticar.
Gilberto resolveu, então, dar uma circulada. Encontrou com uma amiga da época de colégio. O nome dela era Amanda. Os dois conversavam harmoniosamente. Gilberto até se engraçou para o lado dela, resolvendo investir na moça. Mas uma terceira menina cruzou o seu caminho. Giba olhou fixamente para ela, que caminhava seriamente em sua direção. Por uns segundos, a vista dele escureceu. Ele entrou em transe ao ver aquela bela moça dos olhos verdes e do cabelo preto. A lata de cerveja, cheinha, quase caiu no chão com a tamanha demência. “Minha nossa”, suspirou.

- “Oi gente.”, disse a bela moça dos olhos (surpreendentemente) verdes.
- “Giba, esta é Anita, minha amiga da faculdade”, esclareceu Amanda.

Mesmo contente, Gilberto não conseguia se expressar. Estendeu uma mão com o cigarro acesso e a lata de cerveja na outra. Deu um sorriso de lado, apenas. Anita ficou meio sem graça.

- “Ele é sério, né?”, cochichou para a amiga.
- “Não, ele só tem essa casca grossa, mas é gente boa. É só não falar merda pra ele e fica tudo certo.”

Mal sabia Amanda que, mesmo se amiga falasse merda, ele continuaria encantado. Gilberto e Anita passaram a noite conversando. O assunto era diverso. Falavam sobre bandas favoritas, o que gostavam de fazer e o que faziam de suas vidas. Ela havia acabado de entrar na faculdade de ciências sociais e ele já era formado há tempo em jornalismo. As notas das músicas do rock pesado reverberavam um sentimento que jamais havia existido. Era como se o mundo havia acabado ali, restando apenas os dois. Aquela noita ia ficar marcada. Gilberto, que já estava desesperançoso com mulheres, se viu estimulado. Os dois se deram bem. Mas, por enquanto, nada de paixão.

No outro dia, o celular de Anita tocou logo cedo.

- “Oi, desculpa te acordar. Passei a noite pensando em você e resolvi te ligar.”

Giba não costumava ser romântico e, muito menos, meloso, a ponto de fazer riminhas nas frases. Mas, na noite anterior, tinha prometido para si mesmo que iria “agarrar” Anita.

- “Poxa, eu estou dormindo. Liga uma outra hora.”
- “Mas, é que...”

Tudo o que Giba ouviu foi o som ocupado do telefone. O coitado havia treinado a madrugada todinha para fazer a ligação. Começou a andar de um lado para o outro no quarto, pensando como poderia ser a próxima abordagem. Apesar da mancada, ele não desistiu. Esperou a hora do almoço e retornou.

- “Oi, sou eu de novo...”

Anita ainda não estava acordada, mas seu sono era leve. Ela atendeu o telefone sonolenta, sem saber direito com quem estava falando.

- “Você? Quem?”
- “Sou eu Anita, o Giba!

(Filho da puta, pensou ela.)

- “Ah...tudo bom?”.
- “Tudo. Te liguei pra gente ir tomar sorvete.”
- “Olha, eu ainda nem almocei.”
- “Então, vamos almoçar?”
- “Minha mãe fez almoço farto hoje. Não posso fazer essa desfeita.”
- “Tudo bem. Ligo outra hora”
- “Tá...”
- “Beijos.”
- “Outros.”

Na noite anterior, Anita até havia se interessado pelo rapaz. Só que a insistência dele logo de cara não foi legal. Ela começava a pegar abuso, enquanto ele se apaixonava...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Parte III – A conversa ainda perdura.

A noite, no msn, Anita e Gilberto enfim conversaram. O nick dele era direto e prepotente: Giba – todo começo é angustiante. Já o dela era apenas Anita, com a simplicidade de uma garota. O diálogo estava indo bem, mas Gilberto acabava estragando tudo por causa de suas flertadas sem graça.

- “Ah, sou fã de Ozzy Osbourne”, comentou Anita.
- “É, eu detesto, mas você é linda mesmo assim.”
- “Quanta gentileza”, disse ela, respirando fundo.
- “Ei, vamos sair?”
- “Vou aqui tomar água...”

Anita se saiu, queria mesmo despistar o “mela cueca”. Gilberto ficou lá à espera da amada, firme e forte. Ele estava de olhos perdidos na tela do computador e suava de tanta ansiedade. Era uma paixão que nem ele mesmo sabia de onde vinha. Sempre achava esses sentimentos uma grande besteira.

- “Iai, decidiu?”
- “Eu estou de TPM! Você não se incomoda?”
- “Não tem problema, eu adoro mulheres de TPM.”
- “Sabe qual é a diferença entre uma mulher de TPM e um pitibull?”
- “Não”
- “O batom”

Giba caiu na gargalhada.

- “Olha, até com TPM você é sensacional. Desculpe, mas vai ser muito difícil ter raiva de você.”
- “Você não me conhece pra tá dizendo isso. Vai se arrepender.”
- “Eu quero tentar me arrepender.”

“E se eu te mandar tomar no cu?”, pensou ela. Giba não se tocava, parecia um retardado. Sua paixão ia além do estado natural das coisas e até da sua própria personalidade.
Anita já não aguentava mais as piadinhas idiotas. Decidiu, então, fazer um sacrifício. Ela optou por falar na cara dele que ele era um otário, tinha um bigode de nazista nojento e um cabelo de fazer doer o estômago. O sistema nervoso já havia trabalho bastante. Anita gostava mesmo era de homens peludos.

Parte IV – Abre os olhos.

Cinco horas da tarde. Gilberto estava de pé, esperando em frente à pracinha que ele havia combinado com Anita. Ela chegou apressada, anunciando que não podia passar muito tempo por ali, pois precisava voltar para casa logo.

- “Mas Anita, é a primeira vez que a gente se encontra.”
- “Olha, não discute.”
- “Sua TPM não vai me intimidar.”
- “Eu tenho uma coisa pra te dizer.”
- “É mesmo? Você tem namorado?”
- “Quem dera...seria tudo muito mais fácil.”
- “Fala logo.”
- “Nós somos diferentes.”
- “Diferentes? Não, não somos. A gente até gosta das mesmas bandas, você viu!”
- “Não é disso que estou falando.”

Gilberto olhou para Anita desconfiado.

- “Você é um otário, tem um bigode de nazista nojento e um cabelo de fazer doer o meu estômago.”
- “Hey, vamos parando. Não vou deixar que você me ofenda. Estou aqui com todo amor pra dar. Qualé?”
- “Tenho que ir.”
- “Peraí, você tá com um fio enorme na bochecha. Deixa eu ver”, disse ele, tentando puxá-lo.
- “Não toque aqui.”, gritou ela, colocando a mão no rosto.

Quando Anita se virou, Giba notou que nascia um rabo no lugar da bunda. Ele ficou paralisado, olhando aquele fenômeno transformista (hollywoodiano) diante dos seus olhos. Antes mesmo que saísse alguma palavra de sua boca, a revelação veio à tona.

- “É isso mesmo, eu sou uma lobiwoman.”
- “Uma lobi o que?”
- “Isso, uma lobiwoman. Agora, preciso ir. Você não vai gostar de ver o efeito completo.”

Anita saiu correndo. Gilberto ficou em estado de choque. Seu rosto estava flácido e a baba descia no canto da boca. O coração estava acelerado. O amor havia se tornado ainda mais intenso.

Parte V - Nem todo fim é o fim.

Gilberto acessou a página do google e digitou a palavra “lobisomem” no campo de busca. Apareceram milhares de opções na pesquisa, incluindo sites sobre filmes, livros e jogos de RPG. O blog “infernorama” parecia a fonte mais confiável sobre o assunto. Lá ele encontrou todos os detalhes da maldição da lua cheia.
Depois de ler tudo e se inteirar do tema, ele ligou para Anita várias vezes, mas ela não atendeu. Deixou recado, mandou mensagens, e esperou por várias horas e nada. Então, resolveu ir ao prédio dela. Pediu para o porteiro interfonar, mas ninguém atendeu no apartamento.
Foi aí que ele atravessou a rua, caminhou até uma pequena praça que ficava em frente ao prédio e sentou-se em um dos bancos. Então percebeu que era noite de lua cheia, por isso Anita não estava em casa. Ela havia se transformado e tinha saído noite adentro. Gilberto preferiu não pensar no que ela estava fazendo solta por aí na forma de lobo, mas sabia que precisava esperar até o amanhecer para encontrá-la.
Ficou no banco da praça até de manhã. Por volta das 6 horas, um táxi parou em frente ao prédio e Anita desceu. Gilberto correu em sua direção e gritou seu nome.

- Você? Que porra tá fazendo aqui? – disse a menina, assustada. Ela estava toda suja e com as roupas rasgadas.
- O que houve com você?
- Você sabe o que houve. Eu lhe mostrei.
- Mas e suas roupas?
- Eu virei um lobo, idiota. Por isso minhas roupas rasgaram – gritou ela, batendo em Gilberto com sua bolsa.
- Algum problema, dona Anita? – perguntou o porteiro, da guarita do prédio.
Não. Tudo bem – respondeu ela. – Agora vá embora, Gilberto.
- Eu li sobre seu problema. Talvez eu possa te ajudar.
- Você acha que se tivesse cura, eu já não teria feito? Vá embora – pediu ela, e então, entrou no prédio.

Gilberto ficou olhando ela subir as escadas. Então ele se deu conta de que estava realmente apaixonado. E se não tivesse cura para ela, teria para ele.
Gilberto estava disposto a se transformar em lobisomem. Ficou pensando o que diria a seus pais quando eles descobrissem ou se a mordida de um lobisomem doía muito. Mas por amor, ele faria tudo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Vai bem aos ouvidos.


Eu ainda não tinha postado nenhuma crítica aqui neste blog. Como estou procrastinando o próximo post há algum tempo, resolvi colocar um texto que escrevi sobre o novo CD de Otto.

Assim, mato três coelhos com uma tacada só: o blog não fica velho e ainda ganha um texto de estilo diferente e pessoas não pertubam o meu juízo. :)

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Após seis anos de espera, eis que os fãs de Otto podem, finalmente, desfrutar de uma nova produção autoral. “Certa manhã acordei de sonhos intranquilos” é o nome do recém-lançado 7º álbum do artista, que também traz a essência do batuque futurista e brota dos mangues recifenses, como os anteriores. O CD foi co-produzido por Pupilo (batera da Nação Zumbi), contém dez faixas e está recheado de participações especiais, tais como Catatau (líder da banda Cidadão Instigado), Céu, na faixa “O Leite”, Julieta Venegas, nas faixas “Lágrimas Negras” e “Saudade”, além de Dengue (baixista da Nação Zumbi) e Lirinha (líder da banda Cordel do Fogo Encantado).

O último disco, “Sem Gravidade” (2003), deixando de lado a gravação do MTV Apresenta (2005), não chega nem aos pés do atual trabalho. Aos que acham que Otto tem uma péssima dicção e não canta nada, sugiro que comecem a abrir uma exceção. O ex-mangueboy, pela primeira vez, consegue abortar um material de qualidade, com música de letras poéticas e que, principalmente, fazem sentido, alinhadas a bons arranjos de cordas.

“Certa manhã acordei de sonhos intranquilos” fala de amor, não aquele obsessivo, mas algo mais simples, humano e fraterno. A fraternidade, por exemplo, aparece na música brega “Naquela mesa”, regravação de Sérgio Bittencourt. Com a base constituída por um som cafona de teclado, a letra narra as lembranças do filho sobre um pai ausente. No estilo de cantar, Otto traz à memória artistas como Benito di Paula, Luiz Ayrão e Agepê. Um brega de luxo, como os de antigamente.

Os batuques de origem manguebeat aparecem com intensidade em “Janaína”, uma letra em devoção à Iemanjá. A faixa “Meu mundo”, com participação de Lirinha, também possui batidas eletrônicas típicas da ex-banda Chico Science e Nação Zumbi.

Mas é depois de "Lágrimas Negras" que a composição musical começa a complicar. É o caso da música "Agora sim", onde ouvimos "Agora sim o saci, agora são dois irmão, agora posso correr, agora preste atenção". Será uma ode ao saci pererê? Bom, fica a questão. Já a desafinada acontece em “Filha”, quando o cantor parece não ter encontrado a nota adequada para a sua voz.

Considerando que o álbum foi gravado em um esquema de independência, sem a mão de uma gravadora e em conjunto com o Garage Band - programa que emula recursos de gravação e mixagem de um estúdio - Otto consegue realizar um trabalho autoral de qualidade e intenso. Na capa, o cantor parece fazer uma relação do mangue com os possíveis sonhos intranquilos. O título é uma transcrição da frase que abre o texto “A Metamorfose”, do escritor de ficção Franz Kafka (1883-1924): “Quando certa manhã Gregor acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Resta saber em que momento e qual foi a experiência que Otto passou para se identificar com esse verso tão profundo.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Eu não preciso ouvir tua voz para saber o que você me diz
Prefiro o seu silêncio sem interrupções
O som das suas canções eu substituí pela calma
Desculpe, meu coração ainda palpita
Fica mais acelerado quando o meu pensamento se agarra ao seu
Eu sinto as saudades
Mas não quero despertar para o pesadelo
Para as atrocidades de noites amadas sem coragem
Para tristezas que passam a correr a sua revelia
Continue no silêncio e me fará feliz

quinta-feira, 26 de novembro de 2009


Pessoas se repulsam, se rejeitam e se conflitam
As relações decaem numa velocidade perceptível aos nossos olhos
Mas não alcançáveis às nossas mãos
Perdemos o controle
Nossos desejos tornaram-se fúteis e, ao mesmo tempo, traiçoeiros
Só fazemos aquilo que nos interessa
E nada mais

Também estou só.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Sensações de um lugar


A vegetação rasteira do interior de Pernambuco passa rapidamente diante dos meus olhos. Tudo muito verdinho, contrastando com o céu azul. Azul também é a cor do mar, já dizia o grande Tim Maia. Percebo as diferentes tonalidades quando vai chegando próximo à via costeira. A praia aparece de mansinho, entre algumas árvores. Sinto o cheiro de maresia, anunciando o lugar, e logo a cabeça se torna espiã. Procura, procura até achar a grande protagonista, que tem o poder de deixar as pessoas libertas. O ambiente praieiro transpira poesia e musicalidade. O sopro do vento é que nem um blues de qualidade aos ouvidos. Dispenso as sandálias para que nada interrompa o momento do contato. Eis que a areia se junta aos meus pés descalços. Mais alguns passos à frente e sinto a água salgada. Meus pés sábios notam facilmente o sal. Começam a coçar desesperados. Maldita alergia. Alergia? De mar? Como se pode desprezar algo que proporciona intensas emoções? Meus pés são burros, isso sim. Mesmo assim, não me reprimi. Pulei as ondas, agarrei-me ao mar.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Versinho de uma tarde

Instantes que o tempo não apaga
A consciência peca ao pensar
A indiferença diz que sim
Mas as lembranças não permitem a vivência
Do mal que faz, ninguém irá me socorrer depois.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Exceção


As pernas frágeis mal conseguiam passar debaixo da roleta
O moleque sabia que de graça ele ia
Pudera, a idade permitia
Passou um, depois o outro e, por último, a menininha dos cabelos de cachos miúdos
Se contorciam para justificar o direito de ir sem pagar
Um espetáculo circense, mas sem aplausos
Atrás, a mãe vinha contente
“São seus?”, alguém perguntou
“É sim. Tenho três bênção”, respondeu ela
Regras que não merecem ser seguidas
A concordância nominal perdeu para tanto orgulho



às 18h43 de um dia pouco engarrafado.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Da próxima vez, vá de táxi.


Dessa vez não teve elevador, fui de escada mesmo. São dois para atender um prédio inteiro, mas quando um inventa de quebrar, é, no mínimo, dez minutos de espera. Ainda tenho a sorte de ter que descer apenas um andar para chegar ao térreo. A história que me disponho a escrever não é exatamente essa. Começa assim, de mansinho. Dou boa noite ao porteiro, como sempre, e ele, gentilmente, me oferece um bom feriado. Opa, feriado? Maravilha! Já saí contente em direção a minha casa. E, de tão feliz, resolvi pegar um táxi por motivos pessoais de segurança. Tanta felicidade poderia acabar se transformando numa lástima.

Tinha um ponto de taxistas logo em frente. Fui até um deles.

- Vamos pra Casa Amarela!

Eu disse isso numa empolgação tão grande, que o taxista se mostrou super disposto para me levar ao destino.

- “Até que o trânsito tá tranquilo por aqui” – eu falei.
- “Tá senhora. Com esse feriado, muita gente já viajou. Daqui a pouco aporta um navio cheio de gringo no Porto do Recife.”
- “Ah, é? Que navio?”
- “O Pacific” - disse ele, cheio de orgulho.

O taxista já era de idade, magro, baixo, quase perdendo os cabelos, e ainda lhe faltava um dente na acarda dentária inferior.

- “Eu soube que já foram vendidos quase todos os pacotes turísticos para cá. Final de ano vai bombar de gente. Os hotéis já estão todos lotados para os festejos de fim de ano.”

Apesar de, assim como ele, estar informada a respeito do boom turístico da nossa cidade, fiquei feliz por ter escutado isso dele. Não por achar que taxistas são alienados, mas, naquele momento, senti uma confirmação de que meu trabalho, e dos meus colegas, estava atingindo o seu objetivo. A população está sentido a efervescência do turismo, deixando as críticas de lado. Então, continuei:

- “Isso vai ser muito bom pro senhor, né?”
- “Para mim e para você também.”
- “É” – falei, tentando buscar a resposta.
- “A senhora faz o que?” – continuou ele.
- “Eu? Sou jornalista.”
- “Meu deus, será a futura Fátima Bernardes? Tenho muito orgulho de estar transportando a senhora neste momento.”

An? Fátima Bernardes? Não!, gritei silenciosamente. Eu não sou ninguém, meu senhor. E nem sei se pretendo ser. Dei aquela resposta que todo mundo dá, acompanhada de sorrisinhos:

- “Deus te ouça. Chego nem perto.”

E ele, claro, também deu uma resposta costumeira:

- “Quem sabe? Você ainda tem muita estrada pela frente. Vocês mulheres são muito fortes. Sem vocês, nós homens não viveríamos. Sabe aquela música que diz, por trás de um homem tem sempre uma grande mulher? Isso é a mais pura verdade.”

Eu apenas consenti, olhando para frente e admirada com o trânsito que acabara de presenciar nas imediações da Abdias de Carvalho. Mas, percebi que na conversa ele partiu de um extremo a outro. O que tem a ver o fato de eu ser jornalista e a fama das mulheres serem fortes? O pior que ele estava certo. E o taxista continuou:

- “Eu já namorei uma menina que fazia medicina. E eu vivia lá no centro de saúde da Universidade Federal de Pernambuco. Uma vez assisti a uma aula. Tinham dois corpos abertos, um de um homem e outro de uma mulher. Mas, olhe, a senhora precisava ver como eu e você somos diferentes por dentro.”
- “É né, só o fato de termos útero e ovário” - falei
- “Pois é. Nós temos três camadas a mais de gordura.”

Nem contestei, até porque eu odiava biologia na época colegial. Sei de merda nenhuma.

- “Olhe, moça, vou dizer uma coisa. A gente pode ter toda a massa muscular, ser forte pra carregar botijão de gás, mas o homem morre cedo. Por isso que tem tanta viúva véia por aí.”

Soltei um sorriso acanhado de lado. Ele notou e também achou graça, perguntando meu nome em seguida. Depois, continuou indagando sobre o que eu fazia. Eu resumi um pouco.

- “Ah, você já cobriu policia?”
- “Já sim, mas foi por pouco tempo” – respondi
- “Poxa, não disse que é orgulho pra mim te levar no meu carro.”

Nesse momento, me senti a própria Gloria Maria. Ou Fátima Bernardes, como ele tinha dito? Continuei:

- “Fazer matéria policial é barra. Vi cada coisa horrível em um curto espaço de tempo.”
“É, né? Imagino. E como a senhora agüentava ver tanto sangue?”
- “No começo é foda, mas depois você se acostuma. Eu sentia muito quando era gente inocente que morria atropelado ou era assassinado por motivo fútil. Uma vez tive que engolir o choro com um jovenzinho que morreu indo à escola.”
- “Ow, rapaz. Teve uma vez que eu vi algo parecido na rua em que eu morava. Um menininho, amigo da minha filha. Ele era novo, vivia na rua. Uma coisa que eu não deixava era minha filha solta na rua. Esse menino um belo dia inventou de mexer num pneu de um caminhão da Coca-Cola que tinha parado para abastecer um mercado. Sendo que o motorista não viu e passou em cima da cabeça do menino.”

Isso não é história para se contar em plena sexta-feira, véspera de feriado. Fiquei angustiada. Mas, escutei atentamente as histórias que Saulo, o taxista, tinha a me dizer. A partir daí começava uma série de matérias, digamos, tipo Cardinot ou Sem meias palavras...

- “Já vi muita coisa. Fui caminhoneiro. Vi companheiro meu arder em chamas e eu sem poder fazer nada, a não ser continuar minha jornada.”
- “Putz" – foi a única coisa que consegui expressar.
- “Tive dezessete motos. Vinte amigos meus já foram enterrados. Teve um que bateu com a moto na minha frente. Foi em cheio no muro. Me mijei todinho nas calças. Fui correndo avisar aos pais dele. Quando cheguei, pareceu que todo mundo já tinha notado que algo havia acontecido. Ai eu falei: ‘o filho de vocês acabou de morrer’.
- “O senhor falou desse jeito sem nem ter ido olhar?”
- “A senhora precisava ver. Eu nem pensei em parar. Quando eu voltei ao local, tinha massa encefálica até na parede.”
- “Minha nossa...você tem espírito de jornalista policial.”

Saulo deu gargalhadas, sem entender muito o sentido que eu dei a suas falas. Então, ele continuou a falar de outras tragédias na sua vida. Chegou a dizer que há duas semanas foi até a casa de um amigo que há muito tempo não via.

- “Cheguei, bati palmas diversas vezes. Gritei por ele e nada. Queria conversar, contar um pouco como estava a minha vida e saber da dele também. Foi quando, então, o vizinho, que eu também conhecia, apareceu no portão e disse: ‘Tas procurando Marcinho?’. Tô, eu disse. ‘Tas sabendo não?’ O que houve? ‘Marcinho morreu em março desse ano’.
- “Ai” – disse eu, colocando a mão na cabeça.
- “Sabe como ele morreu? Ele tava voltando de uma viagem a trabalho, pela estrada. Aí, uma das rodas se soltou e ele perdeu o controle da direção, caindo logo em seguida numa ribanceira. Havia quatro pessoas no carro, só ele morreu.”
- “Quando chega a hora, é pra ser.”

Que comentário medíocre o meu, diante de um homem que se mostrava tão sábio.

- “É verdade. Feito uma amiga minha, a Aninha. Tava grávida de quatro meses a bichinha. Vinha dirigindo uma moto pela Boa Vista e bate de frente com um ônibus, que jogou ela longe. Ainda bem que ela não sofreu, morreu na hora.” – completou ele.

Eu, novamente, elevei as sobrancelhas, com um ar meio assustado, e consenti. Saulo foi até a minha casa contando tudo, detalhe por detalhe. E eu, por diversos momentos, ia escrevendo matérias com os meus pensamentos, apesar de muito cansada. Até que poucos minutos depois...

- “Pronto, senhora, está entregue. Estou agradecido por ter tido você como minha passageira, uma moça que gosta de conversar e, principalmente, sabe escutar.”
- “Ô, Seu Saulo, não precisa tanto. Adorei suas histórias. Boa noite.”
- “Boa noite.”

Em casa, papel e caneta a postos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sinceridade

Sincero é aquele capaz de machucar a própria alma
Não falta uma palavra sequer no discurso
Tudo flui.
Não há perguntas ou dúvidas no ar
Não há reticências
Só pontos finais
Se contestar, perde-se o brilho
Perde-se a sinceridade

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Recanto

Voz de melodia envolvente
Aguça a audição
Desperta sensações
Até o tempo se poupa por instantes
A sonoridade tranqüiliza a alma
Transcende aos desejos mais proibidos
Os olhos se fecham para o sentido se fazer existir
Na mente, a realidade vai sendo transportada
Desfaz o medo e consegue chegar ao puro sentimento
Que só quer ficar calado em nosso recanto

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Não há decepção maior de um ser humano do que a covardia alheia. Apesar de ser uma única palavra, ela abrange vários significados. Covardia é sinônimo de fraqueza, de ausência de amor próprio, de indelicadeza. Uma pessoa covarde é incapaz de ter qualquer sentimento, de demonstrar amor... tudo isso são privilégios dos corajosos. É um medo consentido de alguém desprovido de força. É uma pessoa cruel, fria, que não consegue viver em harmonia consigo mesma, que vive traindo-se e traindo as pessoas que o cerca. Falta de caráter é o primeiro sinal, onde se peca pelo silêncio, ao invés de manifestar-se. O covarde se esconde atrás da verdade que não consegue enxergar. A covardia é cega. Quem é covarde não é digno, sequer, de felicidade.

sábado, 17 de outubro de 2009

O dia em que Luís Hernandes resolveu mudar

Fim de tarde. Lá, no mesmo lugar, estava Luís Hernandes à espera do coletivo para ir ao curso. A rotina cansada era a mesma há três anos. Cruzava sempre com as mesmas pessoas na parada de ônibus, pegava o transporte com o mesmo motorista, o trajeto não mudava nunca, as aulas pareciam eternas. Até a namorada estava lhe causando certo repúdio. Brigas se tornaram freqüentes, desde que ele voltou de férias do Maranhão. E a conta de telefone passou a vir exorbitante...

Naquele dia, Luís Hernandes saiu de casa com gosto de gás. Decidido a tornar sua vida diferente. Mudar era a palavra-chave. As primeiras alterações começaram nas peças de roupas. Nada que ele passou a usar era costumeiro. Vestiu-se com uma camisa mais arrojada, um tênis All Star e uma bermuda bem transada (imaginem como quiser). Aquilo não era a cara dele, mas o sentimento de transformação falava mais alto. Bem mais alto.

A pasta que costumava carregar foi trocada por uma bolsa Adidas, dessas à tiracolo. O cabelo ganhou um topete simpático e gel para modelar os fios loiros das luzes que fez. Perfume no cangote e nos pulsos. Pronto. Pelo menos nas vestimentas, Luís aparentava ser outra pessoa.

Ao chegar na parada, a menina que sempre virara a cara para ele respirou fundo, sentindo o cheiro delicioso do perfume do novo rapaz. A jovem tinha os cabelos compridos, corpo de dar inveja a qualquer mulher e olhos cor de mel. De fato, Luís era caidinho por ela, mas dar bola a essa altura do campeonato mudaria os planos. Saiu de fininho e foi para o outro lado. A menina, claro, achou logo que ele fosse veado.

Enfim, chegou o ônibus de Luís Hernandes. Ele entrou pisando firme, emitindo barulho na lataria do veículo. O motorista (de sempre) chega se assustou com a ousadia do garoto.

- “Bom dia”, disse o motorista
- “Ahê, motô”, respondeu Luís, sentando na última cadeira.

O jeitão esparramado era meio forçado. A encenação terminou com a famosa coçadinha no saco. O cobrador virou a cara, com ar de reprovação. Três minutos depois o celular tocou. Era a sua namorada perguntando porque ele ainda não havia dado sinal de vida.

- “Ah, não senti vontade de ligar e pronto”
- “Como assim não sentiu vontade? Você tá louco? Pirou?”
- “Acho que sim,” disse Luís, desligando o telefone na cara da doida.

Era possível sentir a respiração da menina, que bufava do outro lado da linha. Com raiva, ela ligou novamente. Luís Hernandes demorou um pouco a atender.

- “Como você desliga o telefone na minha cara? Você nunca foi assim, não estou te reconhecendo. É você mesmo quem está falando?”

Luís Hernandes nada fez, a não ser afastar o aparelho celular do ouvido, diante do “pití” da namorada. Ainda tentou ser generoso, afinal, ela não tinha culpa nenhuma de tudo aquilo.

- “Ok, a gente pode conversar na faculdade”
- “Tá, então eu vou pra lá”
- “Agora vou apresentar um trabalho. Eu te ligo”

Desligaram o telefone. Não conformada, a menina ligou novamente. Luís atendeu irritado.

- “Oi”
- “Você vai apresentar o trabalho agora? Porque, se for o caso, chego aí em cinco minutos”

(mulheres são sempre ansiosas demais)

- “Deixa de ansiedade, garota. Assim que eu terminar a apresentação, eu ligo, pronto!”
- “Tchau, beijo”

Ele fechou a tampa do flip balançando a cabeça. Queria ter paciência, coisa que sempre teve. Deitou a cabeça na janela, deu play novamente no MP3 e esperou chegar ao destino.

Quando desceu à faculdade, sentiu uma canseira. Foi até à porta do elevador, mas desistiu de subir e saiu andando sem destino. Resolveu nem esperar mais a namorada, que virou ex sem nenhum motivo aparente. Luís chegou num bar meia boca e pediu uma cerveja. Nunca tinha ingerido nenhuma bebida alcoólica, tanto que ensaiou uma cara horrorosa quando sentiu o gosto amargo. Bebeu uma, duas, três…cinco. Ficou completamente embriagado. Cambaleante, caminhou até o banheiro, onde passou meia hora. Acabou cochilando. Os funcionários do boteco tiveram que arrombar a porta para tirá-lo de lá. Um vexame para o menino com fama de inteligente, que, no momento, estava despido. As pessoas que se dispuseram a expulsá-lo resistiram ao fato de ter que vesti-lo, mas foram obrigados pelo patrão.

- “Coloquem a roupa desse moleque agora! Depois, tirem-no daqui!”
- “Ok, senhor (em coro), responderam os funcionários”

Luís Hernandes estava na calçada, todo entregue. Até que resolveu se levantar, esticou os braços e fez aquela velha pergunta:

- “Onde estou?”
- “Você está no inferno”, respondeu o diabinho que acabara de encostar em seu ombro esquerdo.
- “Quem é você? Você existe mesmo? Então, cadê o lado do bem?”
- “Eu não existo e não tem lado do bem. Você só tem feito merda, cara!”

O menino começou a achar que poderia ter passado dos limites. Deve ter provado outras coisas a mais além da cerveja. Ele não queria e nem podia voltar para casa naquele estado. Então, decidiu continuar sua peregrinação. Foi até o centro da cidade e entrou numa boate. O lugar era um pouco escuro, com algumas luzes negras clareando. Um som de Britney Spears vinha de longe. Cada vez que Luís se aproximava, a música se tornava mais alta. No salão, muitas pessoas dançavam loucamente. Homens, mulheres, homens em mulheres, mulheres em homens. Um clima bem fraterno e instigante. O som das eletrônicas ia entrando no corpo de Luís. Quando ele mesmo esperou, estava se mexendo, jogando os braços molengos para frente e a cabeça para um lado e para o outro. E essa performance foi se tornando mais intensa, mais dançante e mais empolgante.

As pessoas abriram uma enorme roda para deixar um ser esquisito se mexer. Ele fechava os olhos e sentia Spice Girls dentro de si, Madona e Lady Gaga. O remelexo jegue não importava. Luís estava feliz, libertado. Só isso bastava. A coisa era tão prazerosa que todo mundo da boate passou a dançar junto com ele.

Em um instante, Luís saiu da discoteca e foi até o banheiro. Ao olhar para o lado, com a vista um pouco embaçada, viu duas mulheres se beijando. Ele franziu a testa, na tentativa de enxergar alguma coisa. O cabelo, a pele clara, o sinal na metade do braço…

- “Olha, não é nada disso!” - falou uma delas.
- Moça, sente-se feliz assim? – indagou Luís.
- “Eu ia te dizer isso hoje, mas você não apareceu na faculdade.” – continuou a garota

Era a ex-namorada, que sempre pagou de puritana.

- “Olha, querida, eu não sei quem você é. Passa amanhã. Beijo, não me liga”, proclamou Luís, saindo logo em seguida.

A menina ficou com a cara mais azeda do mundo, sem entender a reação do ex-namorado. Luís nem tinha ligado mesmo. Saiu da boate e vagou pela calçada procurando o que fazer.

Ele, então, sentou-se no meio-fio. O diabinho apareceu de novo. E desta vez, ele estava maior. Não era mais aquela coisa vermelha do tamanho de um passarinho que, anteriormente, havia pousado em seu ombro. Estava do tamanho de uma criança de dois anos, agora. Ele vinha andando na direção de Luís, cantarolando e balançando sua cauda pontiaguda com a mão esquerda, como se fosse um passo de balé. Nosso herói, Luís Hernandes, tentou se levantar, mas a pequena figura vermelha saltou em seu colo.

- Quem é você, porra?
- Já lhe disse. Eu sou o demônio e vim realizar uma obra demoníaca – responde o diabinho.

Seu hálito era enxofre puro e fez Luís enjoar.

O dia em que Luís Hernandes resolveu mudar - Parte II

O suco azedo invadiu-lhe o corpo, percorrendo veias, entupindo vasos, fundindo-se ao seu sangue. Neste momento, todos os órgãos pararam. O diabinho, ao lado, sorria feliz. Gargalhadas estridentes e diabólicas. Luís, então, vomitou. Botou para fora todo o podre que guardava dentro de si. Até a própria alma foi embora com o jato mau cheiroso. O pequeno diabo encostou-se ao seu rosto.

- “É, meu caro...você mudou demais. Não era pra ser assim. Nem beber você sabia, caralho.”

- “Ah, não enche. Me ajuda aqui.”, disse Luís Hernandes tentando tirar a cara do vômito.

- “Vai, levanta”, falou o diabo, puxando-o pelo braço.

- “Eu não consigo. É como se eu estivesse sem nada dentro de mim.”
- “Assim fica difícil, porra. Levanta, diabo!”
- “Hey, o diabo aqui é você. Não confunda as coisas.”

A cada segundo, Luís Hernandes ia ficando mais amolecido. Sua alma começou a largar do corpo, como se fosse uma regressão. Até o diabo teve medo. Enfim, saiu Luizinho da boca de Luís. Ele era do tamanho do diabinho, só um pouco mais magro. E, claro, a coisa vermelha estava feliz com o novo companheiro.

- “Você tá é bonitão, heim?”, comentou o diabo.
- “Que porra é essa que eu sou? Sou o anjo, é isso?”

O diabo deu uma risada incontrolável.

- “Anjo é a última coisa que você poderia ser.”

- “Num vem não que tu és muito pior do que eu.”
- “Eu sei disso, por isso que eu sou diabo!”, completou, elevando os braços para assustar Luís.

- “Sai de perto de mim, porra.”
- “Veja o lado bom. Agora, podemos ser brothers, cara!”
- “Que mané brother, tá louco? Estou assim, mas ainda não pirei completamente.”
- “Embora, vamos arrumar o que fazer!”, gritou o diabo, que já estava quase no fim da rua.

Luizinho Hernandes andou a passos lentos, querendo resistir àquela loucura. Perguntava-se a todo instante o que estava fazendo ali, com aquele tamanho, aquela transparência e com aquela criatura de rabo vermelho. - “E se for um sonho, este é o momento em que minha alma vaga pela madrugada?”, indagou-se.

Já eram duas horas da madrugada. A rua estava deserta. Luizinho Hernandes e seu diabo amigo andavam sem rumo.

O dia em que Luís Hernandes resolveu mudar - Parte III (final)

Os dois pararam em frente a um bar. Um lugar sujo e feio, com cadeiras e mesas velhas. Um homem gordo cochilava no balcão.

- "Vamos", disse o diabo.

Entraram e sentaram em uma mesa. O homem gordo acordou com o som das cadeiras sendo movidas e veio até eles. Com um pano molhado, enxugou a mesa e perguntou o que iam querer.

- "Cerveja", respondeu o diabo.
- "Não quero beber", gritou Luís Hernandes.
- "Mas vai. Fique aí que eu vou ao banheiro."

O gordo trouxe a cerveja e serviu dois copos. Luís bebeu, mesmo sem vontade. O diabo voltou e sentou-se ao seu lado.

- "Você cresceu mais ou é impressão minha?", perguntou Luís.

A figura vermelha, agora, tinha pouco mais de um metro de altura.

- "Sim. Não é legal?"
- "Não sei. Pra mim não tem importância."
- "Mas devia ter. Eu, por exemplo, me importo com o fato de você estar encolhendo."
- "Encolhendo?"

Assustado, Luís Hernandes levantou-se. Sua bermuda caiu até o chão e ele por pouco não tropeçou enroscado com ela em suas pernas.

- "Bonita cueca", disse o demônio, após tomar um gole de cerveja.

Luís Hernandes sentou-se de novo, constrangido. O gordo, no balcão, olhava para ele meio cismado com seu repentino strip-tease de Luís. Então, notou que sua camisa também estava folgada e seus pés balançavam dentro dos tênis All Star.

- "Quero ir pra casa, falou. Seu tom de voz era como o de um pedido. Como um garoto se sentindo desconfortável em um lugar estranho."
- "Não. Você não quer. Não tem nada lá."

Luís Hernandes abaixou a cabeça e fez um beiço de quem ia chorar. O diabo lhe deu uma tapa no rosto. Luís o encarou, constrangido e, agora, curioso.

- "Desde quando você usa gel, no cabelo?", perguntou Luís.

O diabo tinha agora um topete pintado de loiro. E estava maior, muito maior. Luís achou que estava bêbado ao extremo, mas depois percebeu. Realmente o diabo tinha crescido mais. Só que Luís havia encolhido significativamente. Ele estava agora envolto em suas roupas e sua camisa parecia mais um lençol.

- "Eu encolhi", disse ele, gaguejando. – "Você cresceu."
- "Venha", falou o diabo, lhe estendendo a mão.

Luís Hernandes subiu em sua mão e o diabo o levou até perto do seu rosto.

- "Chegou a hora de você fazer a coisa certa.", sentenciou o diabo, e em seguida arreganhou a boca.

Luís Hernandes, então, saltou para dentro da escuridão.

O diabo levantou-se, vestiu as roupas de Luís, pagou a cerveja e saiu do bar. Do outro lado da rua, havia alguns carros com os sons ligados e umas pessoas bebendo no local. Em uma das rodas de amigos, estava a menina que Luís Hernandes sempre via na parada de ônibus. Ela encarou abriu um farto sorriso quando viu o diabo e caminhou até ele.

- "Oi. Eu não te conheço?", perguntou ela.
- "Prazer em conhecê-la. Espero que adivinhe meu nome", respondeu ele, com um sorriso no rosto.


p.s: Conto baseado numa criatura grotesca que se sentou ao meu lado no ônibus.

Créditos:

Andreane Carvalho


Colaboração: Geraldo de Fraga (jornalista e escritor do livro História que nos Sangram – a venda nas melhores livrarias!).

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Instante

Para brincar com o medo é preciso ser conhecedor
Brincar de vencer as amarguras e a dor
Nem tudo o que fala é permanente
Traiçoeiro, resolve logo cortar o mal pela raiz
Diz-me como faz para ser feliz?

A possibilidade apossa a posse
Mas, a brincadeira acabou
Pode começar a cessar
E não cesse sem antes tentar

Ri para descontrair
Ir para desiludir
Vir para não haver saudade
Deixa isso para daqui a dez anos



Às 21h01, passando pensamentos supérfluos para o papel.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Não!



Não é pra ficar aqui não. Aqui não pode ficar não. Aqui, não.
Tá olhando o quê? Não é pra ficar aqui não. Não pode ficar não.
Se manda daqui vai. Vai embora. Aqui não é lugar pra você.
Tá esperando o quê? Dá um fora daqui dá. Sai daqui.


Decidi postar essa imagem juntamente com esse trecho, que é uma música da banda Cidadão Instigado. Achei coincidência o bastante estar diante da figura e da letra no mesmo dia. Aí, para completar, lembrei de um texto que eu havia feito para uma disciplina da faculdade. Bingo! Os três têm afinidades de sobra.

Receber uma negação causa, num primeiro momento, um sentimento de frustração. Se fossemos pensar quantas vezes no dia falamos, ouvimos e até pensamos “não” estávamos fodidos. Né, não? Receber um não após uma negociação, após a apresentação de um projeto, ao declarar seu amor a alguém, não é algo que realmente queiramos, principalmente, quando agimos com a honestidade das palavras e dos sentimentos.

A palavra “não” parece ser a primeira que aprendemos em nosso vocabulário. Desde criança recebemos NÃOS. “Menino, não faça isso”, “Eu já te disse para não ir lá”, e por aí vai... Entretanto, há quem afirme que a criança começa a desenvolver seu pensamento a partir de frustrações. E que a falta delas na infância pode acarretar, no futuro, um adulto eternamente insatisfeito ou desencadear crises emocionais como resposta a qualquer contrariedade. Estava certo o sábio Freud ao dizer que somos todos esquizofrênicos. A culpa disso tudo deve ser do simples e remedioso “não”.

Para entender melhor todo o contexto, a palavra frustração vem do latim frustatio que, por sua vez, significa em vão, ou seja, impedir que a pessoa atinja um objetivo, uma meta, uma expectativa ou um desejo. E, quanto maior o objetivo, a meta ou a expectativa, maior a frustração. É quando somos privados da satisfação de um desejo ou de uma necessidade. Quem não (olha aí) gosta de fazer o que quer?! Estamos sempre diante de frustrações. É terrível ler isso, mas é fato. Pode significar impedimento, atraso e conflito. Mas, no fim, a palavra de ordem é sempre a mesma, é não, não e não!

Uma simples palavra de três letras causa uma imensidão de problemas. Vários palavrões são acarretados pelo “não”. Agonia, amargura, angústia, ansiedade, consternação, desalento, desânimo, desapontamento, decepção, descontentamento, descrença, desilusão, desgosto, ira, mágoa, malogro, ódio, perplexidade, raiva, rancor, tristeza, para citar alguns. Em casos extremos, pode até desencadear uma baixa da auto-estima no indivíduo, aparecimento dos sintomas de estresse e depressão. Você está pensando em não dizer mais não, não é? Positividade é enterrar o não consigo, camarada!

O “não” pode significar muita coisa na vida de uma pessoa. Isso depende da entonação e da causa. Receber um “não” pode não ser o fim do mundo. Claro que necessitamos de um tempo para recuperar o impedimento, podendo ser algo demorado e difícil.

Outra coisa legal de receber um “não” é a experiência de aceitar as mudanças que ocorrem em nossas vidas. Relaxe e enfrente-o com naturalidade. Ele não tem a capacidade de cometer um assassinato. Até onde eu saiba, o “não” não possui região cortante, perfuradora ou efeito venenoso. Também não seja egoísta e pense que o “não” é só seu. Ele está com todo mundo. O “não” faz parte da vida, independente de classes e raças! Tudo depende da maneira como ele é visto e encarado. O importante é saber que o “não” de hoje pode ser o “sim” de amanhã.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Por hora, escuto as minhas idéias

Escrevo para relatar as loucuras alheias
E durmo para esquecer os alheios
Alheios não sabem o que dizem
E eu não sei o que vos digo
Descanso...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Marasmo

O silêncio que se estabelece me pertuba
Gritos constantes caçoam o pé do ouvido
Lembranças teimam em voltar
Resistem por segundos
Percebo o quão cansados são os momentos
Sei que a esta hora sua sala está vazia
No máximo, espíritos de suas assombrações
Não necessariamente estou no meu lugar
Mas escuto de longe as melodias
Um marasmo saudoso
Boas histórias, que no momento me disponho à dissertar
Sua palavra calada, seu teto vazio, seu cigarro que finda
A vista tranquila da janela…
Eu não estou aí
Eu não estou nem aí

domingo, 20 de setembro de 2009

Quase real

Já eram onze horas daquela noite que parecia infindável. A conversa havia se esgotado. De um lado, Mônica se recolhia para o quarto, silenciosamente. Stênio, seu marido há minutos atrás, continuava a resmungar a separação. Ele não entendia o porquê, mesmo depois de horas a fio de conversa, brigas, insultos e tentativas de reconciliação. Daqui para frente, não haveria mais casal. Os vinte anos estavam indo embora ali mesmo, sem, aparentemente, o menor sentido.

Mesmo com todo o sofrimento, Mônica parecia estar firme. Enxugou as últimas lágrimas, colocou o pijama e foi dormir. Ao contrário de Stênio, que estava disposto a esperar o amanhecer, com um retrospecto filme iniciando em sua mente. Eram muitos anos passados juntos. A priori, a rotina parecia ter engolido o casal. Ele era fotógrafo, trabalhava para uma assessoria de comunicação. Ela era cantora e passava a maior parte do tempo em casa, ensaiando repertórios para as apresentações noturnas. O dia e a noite eram insuficientemou para Mônica e Stênio.

Da união, geraram um filho, Diogo, de apenas dez anos. A casa em que moravam foi construída com esforço e dedicação. O lugar era um sítio, um ambiente calmo, onde só se ouviam as onomatopéias dos animais.

Na sala, Stênio tentava adormecer no sofá. Toda vez que fechava os olhos, parecia se lembrar de todos os dias que passara com sua (ex) mulher naquela casa. Os abria suavemente para ter certeza de que tudo aquilo não existira mais. Na visão, a escuridão arrepiava os pêlos. Já sofria de uma saudade provocada pelo gosto da ausência que mal começou. O silêncio parecia gritante diante de tanto sofrimento que sentia. Lágrimas passaram a escorrer em seu rosto. Fechava os olhos firmemente para adiantá-las. Acabou pegando no sono.

Noite fria..

Mônica levantou-se cedo da cama. A cara era de quem parecia não ter dormido. A mente não descansara na última madrugada. Foi ao banheiro, passou uma leve água no rosto, antes de tomar banho. Ficou um bom tempo olhando para o espelho. Tirou a roupa lentamente e ligou o chuveiro. Alguns minutos de pensamentos vagos, que iam embora com a água que caía sobre seu corpo.

O silêncio instaurado em toda a casa era a prova de que não havia mais nada a se dizer ou fazer. E Mônica sabia.

Stênio tinha certeza, embora não quisesse aceitar. Até que resolveu desaparecer. Foi tão rápido como um voo de um pássaro. Egoísta como o amor que sentia.

sábado, 19 de setembro de 2009

Sensações

Na agonia do pensamento
Palavras obscuras
Não suficientes para serem compreendidas por quem quer que seja
Em alguns momentos aparecem explicações
Mas a boca não consegue balbuciar uma só palavra
Preferi ouvir o silêncio.

domingo, 6 de setembro de 2009

Do crítico ao caricato


Fui conhecer o Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa. E como uma boa turista, assisti a uma peça de teatro. Escolhi Hairspray, em cartaz no teatro Oi Casa Grande, com adaptação de Minguel Falabella. As atuações até são corretas, porém bastante exageradas...

Naturalmente, o musical Hairspray chama a atenção do público com um elenco recheado de globais. Afinal, quem não gostaria de ver o galã Edson Celulari interpretar uma mulher ou Danielle Winnits com um vestido super decotado. A trama se passa na cidade de Baltimore, nos anos 1960, em meio aos ritmos dançantes que balançavam os corpos juvenis em programas de televisão e ao questionamento das segregações sociais.

O primeiro ato abre com Simone Gutierrez, a atriz revelação e protagonista, interpretando a simpática e gordinha Tracy Turnblad, uma adolescente que sonha em virar estrela do programa “Corny Collins Show”. Ela carrega uma grande peruca na cabeça, moldada com o laquê Pegada Firme, o coadjuvante de luxo do espetáculo. Toda a arte da embalagem e da publicidade do spray, muito bonita por sinal, foi criada exclusivamente para a peça. Em três meses de temporada carioca, a produção informa que já foram consumidos mais de dois mil tubos do laquê. Pobre camada de ozônio.

No enredo, apesar de estar fora dos padrões estéticos impostos pela sociedade, a jovem Tracy parte em busca do estrelato. Simone consegue dar muita vida à personagem, numa mistura de interpretação impecável e carisma. Mesmo acima do peso e com um metro e meio de altura, como pede o roteiro original, a atriz executa os passos de dança com técnica, deixando o público deslumbrado e de olhos fixos em cada gesto.

Entre gritinhos e aplausos da platéia, quem entra logo após é Edson Celulari, no papel de Edna Turnblad, a mãe de Tracy. Com um vestido azul estampado com flores, bobes na cabeça e um par de pantufas de pelúcia nos pés, Celulari deixa a desejar logo de início, sem muita dedicação. Talvez, por se tratar de um espetáculo de quase três horas, montado com coreografias quase que acrobáticas, o ator deve tenha optado por “descansar” no primeiro ato. No segundo ele mantém o tom e o humor exigidos, mas, mesmo assim, sem muita semelhança com John Travolta, ator que arrasa na versão cinematográfica.

Já Arlete Salles, como a mãe da antagonista Amber, a jovem loira (e fútil), não se diferencia muito dos papéis que fez em “Toma lá da cá” ou no extinto “Sai de Baixo”. As piadas inspiradas no estilo do humor barraqueiro, escrachado e caricato dos dois programas, também dirigidos por Falabella, fazem o público confundi-la com as personagens que já atuou. Danielle Winnits também não fica para trás, forçando a voz gasguita para dar uma ingenuidade adolescente.

Os 20 cenários são de autoria de Renato Scripilitti. Simples, mas, com cores vibrantes e de fácil mobilidade, cumprem o seu objetivo de identificar locais e épocas. O figurino, assinado por Marcelo Pies, também evoca o contexto dos anos 1960 e é fiel ao Hairspray que estreou em 2002 na Broadway.

Com qualidades técnicas invejáveis e extremamente bem realizadas, a montagem brasileira de Hairspray se apresenta como uma obra competente e comparável à original, sobretudo no que diz respeito à tradução das letras que fazem parte da trilha sonora, muito bem dirigida por Felipe Senna. No entanto, a interpretação exagerada de alguns atores, necessária em alguns contextos, mas forçada em boa parte dos casos, como Jonatas Faro, o bonitão Link, é carregada e prejudica a adaptação.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Velhas brigas modernas

Eu pensava que quando a gente vai envelhecendo, além de ganhar rugas, iria se desfazer de certas “picuinhas”. Vou explicar melhor. Essa semana eu estava na parada de ônibus, esperando o maldito, que até hoje aterroriza minha volta da faculdade. Longe de mim gostar de escutar conversa dos outros, mas acabei me entretendo com a fofoca de duas senhoras. Elas aparentavam ter 50 anos, diga-se de passagem, uma idade já bem amadurecida…
As duas modestas damas estavam com uma bolsa a tiracolo (aquelas que ficam com a alça atravessada no corpo). Pareciam que tinham saído de algum curso. E tinham. No diálogo, uma delas se mostrava indignada porque a professora tinha colocado-a num grupo de pessoas odiosas.

- Elas me odeiam, como poderei fazer trabalho com elas?
- E eu também. Não, isso não pode ficar assim. Amanhã mesmo eu vou falar com a professora.
- Uma delas já chegou e disse pra mim que não ia com a minha cara. Disse que eu queria ser melhor do que todo mundo, até da professora. Me chamou de manipuladora!
- Elas não gostam de mim também não. Sem condições de fazer qualquer coisa que seja com essas meninas (sic). Isso é um absurdo. A gente tem o direito de escolher com quem trabalhar.

Depois de ter presenciado a cena, eu fiquei frustrada. Achei que esse tipo de assunto só existia enquanto a gente é jovem, quando estamos cercados de relações nebulosas e situações que nos tornam rivais. É claro que sempre existe aquela pessoa com a qual somos confidentes e juramos amizade eterna, mas as desavenças e o tal do juízo de valor ganham em disparada. Uma pesquisa realizada com usuários britânicos do MySpace, por exemplo, revelou que 36% dos jovens preferem amizade online. Sozinhos.com foi o título dado a uma matéria de capa da Veja, um dia desses. As redes sociais, como atestam os mais experientes no assunto, estão engolido as relações humanas, tornando-as frágeis. Então, eu pensei…será que essas duas senhorinhas não estão sabendo disso? E elas nem cresceram bombardeadas por tecnologia e sites de relacionamento para serem tão agressivas. Acredito piamente que a amarelinha e o esconde-esconde fizeram parte da infância delas! Pena que a tal modernidade furtou o que elas tinham de melhor: a serenidade

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Saí de roxo

Três roxos
Dois morenos e um loiro
Roxos desconhecidos
Rostos sonolentos
Como adivinharam tamanha coincidência?
Roxos de glória ou derrota
Tudo se justificava
Menos a roncha que se encontrava na face

Aquilo que a gente chama de ironia do destino



A hora do rush está me dando certa neurose. Para quem não sabe, esse é o momento em que todas as pessoas decidem sair de suas casas para trabalhar, ir ao colégio, almoçar, voltar para casa, dentre outras obrigações e necessidades. Mas, é no fim da tarde que o bicho pega. E faz o término do expediente perder o seu posto de “momento de glória”, desde que a classe média passou a adquirir, em tempo recorde, carros e motocicletas. As ofertas e condições de pagamento estão diante dos nossos olhos a cada página virada de um jornal, a cada intervalo de uma novela e até mesmo em jingles, fazendo aquelas letrinhas cheias de atrativos entranharem pelos ouvidos. Resultado: veículos aos montes pelas ruas.

Isso tem sido, literalmente, um congestionamento na minha vida. O engarrafamento desanima a minha saída do trabalho. Pior ainda porque sou subordinada ao transporte público. *Se algum paulistano ler este texto, pode até achar meu inconformismo uma tempestade em copo d’água. Afinal, eles adorariam estar na minha situação.

Semana passada, peguei um ônibus lotado. Daqueles que você chega a sentir a respiração do camarada ao lado. Além de todo aperto e suor, ainda tive que me contentar com uma poça de vômito. Argh! O mau cheiro insuportável sofreu para acostumar as narinas. Vi pessoas tapando o nariz e puxando o ar pela boca, numa tentativa de respirar sem sentir o odor. Para completar, o céu do Recife parecia que ia desabar, de tanta chuva que caia. As pessoas subiam com seus guarda-chuvas ensopados e se uniam àquele ambiente de insanidade.

Já havia passado 40 minutos e o ônibus só andara meio metro. Depois, mais vinte minutos parado, intacto, completando uma hora. Os passageiros começaram a descer desesperados. Muitos pareciam búfalos. Outros tentavam se distrair com o aparelhinho de MP3. Santa tecnologia…com tanto desarranjo, o homem precisa mesmo inventar coisas para acalmar os nervos.

Eu também pensei em me livrar do veículo e sair andando em procissão com os outros. Aguentei firme, pois eu tinha conseguido me acomodar numa cadeira. Não é todo dia que se vai sentado, tive que aproveitar a oportunidade, mesmo na pior das situações.

Coloquei minha cabeça para fora da janela, tentando achar o principal culpado de tudo aquilo. Tem que ter alguém responsável por aquele caos. Será o sinal quebrado? Uma batida? Um animal morto no meio da rua? Uma passeata estudantil a favor da diminuição das passagens? Nada encontrei.

Até que, enfim, o trânsito começou a desafogar…E eu pude chegar ao meu destino, a minha faculdade, responsável por me ensinar, dentre outras coisas, a bolar textos para anúncios. Por ironia, uma das coisas a qual me dedico é criar maneiras atrativas de vender carros, novos e semi-novos. Nem é preciso muito esforço para perceber que, quanto mais eu consigo convencer, mais pessoas adquirem automóveis!. De fato, o lucro dos nossos clientes (concessionárias) é o objetivo, bastante satisfatório por sinal. Até eu pegar novamente um trânsito quilométrico e me sentir traída pelo meu próprio trabalho...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Divagação I



- Alci, me ajuda aqui a pensar. Preciso terminar esse job.
- Diz aí! O que é?
- Olha, pensei assim, assim e assado, para dar uma idéia assim, diferente.
- Eu acho que tá muito sério, Déa. Tenta usar o humor. Humor é sempre bom.
- Não dá. Eu não sei fazer humor com o meu mau humor.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Homenagem ao Mestre Vitalino

Das mãos sujas de massapê, uma cultura que fez o mundo admirar
Esculturas do barro exibem a simplicidade da vida
Obras modeladas, inigualáveis e apaixonantes
São encantos merecidos de um artista popular
Sua arte, reconhecida universalmente, é o orgulho de nossa gente.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Isso é só mais um textinho bonito (ou não)




Diploma. Para quê diploma, se ele não me dá bola? Assim que comecei a escrever esse texto, pensei nessa música de Martinho da Vila para expressar um pouco o que sinto. Depois que o STF suspendeu o uso do papel para ingressar na profissão de jornalista, venho incansadamente pensando sobre o assunto. Confesso que fiquei confusa e divergi opiniões. Mas, no fundo, acredito que a suspensão do diploma não vá mudar muita coisa. Para falar a verdade, não sou contra e nem a favor.

As empresas continuarão a dar importância aos formados. Sabe por quê? Porque não entendo como uma pessoa pode exercer qualquer ocupação sem receber o preparo devido. Fechei os olhos e me imaginei chegando numa redação (ou qualquer outra local de trabalho) sem conhecimento algum. Seria o caos! A visão do inferno. Mesmo possuindo grandes profissionais ao meu lado, me enchendo de chicotadas e gritos perversos, tenho certeza que não seria o mesmo, sem o conhecimento teórico (e prático) adquirido na faculdade. *Não quero aqui discutir sobre qualidade. Claro que todos nós sabemos da precariedade dos equipamentos, das salas de aula, etc.

Quero dizer que o jornalismo é muito mais do que se pensam. É muito mais do que ter opiniões sobre determinados assuntos e, por isso, terem a pretensão de escrever artigos, serem comentaristas. Estou falando de um caráter mais sério conferido ao jornalismo, que vai além do pretendido para ele. De onde eu iria partir sem noções de ética, de prioridade de informações, do que eu devo falar, do que eu devo fazer? Iria seguir apenas com o conhecimento repassado? E o meu caráter, cadê? O meu jeito, a minha forma de escrever, de informar, a minha opinião a respeito dos assuntos, do que é preciso e, até mesmo, a formação de um olhar crítico em relação às coisas, que pode muitas vezes ajudar e aprimorar o trabalho. Sem falar que a faculdade era para ser considerada algo precioso, se levarmos em consideração a educação do nosso país. É a partir do diploma que se valoriza aqueles que optaram pelo estudo.

Previsões e indignação são bem-vindas. O assunto é realmente polêmico. Quem for jornalista e não teve uma vontadezinha sequer de expressar sua opinião acerca da obrigatoriedade (ou não), que atire a primeira pedra. Adiplomados, uni - vós!

terça-feira, 9 de junho de 2009

Vós embriagais



Nada melhor como se dispersar dos problemas do dia-a-dia com boas doses de bebida alcoólica. Não importa qual. Pode ser uma vodka, um uísque (particularmente, detesto), uma cervejinha, uma lapada de cana e até mesmo um conhaque de alcatrão. Esse último eu provei recentemente. É angustiante, mas é bom.

O importante é que você esteja bem servido para se livrar daquele pensamento ou problema que tanto lhe atormenta o juízo. O fato é que, nem sempre, isso ocorre da melhor maneira. Não quando você tem uma prova altamente subjetiva para fazer em pleno sábado de manhã. Isso acaba com qualquer pessoa. Saí de casa justamente com o intuito de voltar cedo, com boa aparência! (isso significa dizer: não muito alcoolizada). O objetivo era ver meus ex-colegas de trabalho tirarem de seus instrumentos musicais um bom samba.

Em companhia de um ilustre amigo, iniciei minha noite com doses de Orloff. Foram três, ao todo. Por causa da minha mania compulsiva de mudar de bar, acabamos migrando para outro recinto. As três dosezinhas já tinham começado a fazer efeito no meu sangue, mas, nada demais.

No novo local tocava um blues. Muito agradável por sinal. Convencida de estar sóbria, pedi uma garrafa de cerveja. O som de The Doors se misturava com minhas goladas impulsivas. Pedi mais outra… e outra. Quando vi, já estava no balcão do bar. Pobre destino o meu. Eu e minha companhia naquela noite conversávamos sobre tudo. Diálogos aprazíveis, que se confundiam com as notas de um animal noturno, misterioso e maligno, caso se alimentasse de carne humana. E, costumeiramente, ele se alimentava. Vodka pura no gargalo, depois uma briga de galo.

Passava das 2h, quando aceitei terminar a noite com uma lapada de cana. O meu amigo, maravilhoso que é, teve a brilhante idéia de, antes de virarmos, anunciássemos o nome daquele (daquela ou daquilo) que nos atormentava. Era para falar o nome em voz alta e, depois, acalmar a garganta com a cachaça. E, claro, retardar o arrependimento. Eu não queria, mas eu falei: “Fulano!” (vale salientar que Fulano é apenas um codinome).

Meu deus, por que eu disse isso? Meu amigo parou por um instante. Deve ter achado um absurdo a minha atitude. Conforme o combinado, ele também externou o nome que tanto o incomodava - “Fulana!”, disse ele, com a voz já um pouco incompreensiva. Pareceu um ritual. Fim do copo, o resultado: começo de uma embriaguez. Como eu havia dito no início, eu iria fazer teste no fim da manhã. A bebida resolve tudo, não é? Nesse caso, não. Preocupei-me, juro!

Terminamos de assistir o show. Uma delícia a melodia. Porém minha cabeça começava a pesar e dar sinais. Algo estava errado. A música encerrou, o mestre chamou, mas eu não fui! Talvez acalmaria, relaxaria. Infelizmente, eu não podia. Para casa? Avante!

Pegamos um táxi. O balanço que o carro fazia ia me causando certo enjôo. Buracos desgraçados! Além de acabarem com o carro, acabavam com o meu juízo. Posso dizer que tive péssimas sensações. Um gosto de vômito tomava conta do meu esôfago. E a cara do motorista não era muito interessante. De instante em instante, ele olhava para mim através do retrovisor. Dava-me calafrios. Não iguais aos que o homem da noite me proporcionava. Os calafrios do taxista eram frios demais, desempolgantes, broxantes. Desci do carro. Por mim, descreveria até o modelo do possante, mas o teor de álcool contido em minhas veias não permitia. O caos instaurado. Nada mais podia fazer.

As escadas do meu prédio pareciam rolantes por alguns momentos. Incorporei uma lagartixa, passei super-bonde nas mãos e me agarrei na parede. Enfim, consegui chegar até a porta e abri-la. Até que eu não estava tão ruim assim. Tinha flashes efêmeros de sã consciência.

O êmese já estava por vir e, antes que melasse toda a casa, corri para o banheiro. Aquele conteúdo gástrico saia pela minha boca. Um gosto de cana misturado com tudo aquilo que eu havia comido durante o dia. Minha cara era de barraca. Encostei-me à parede por alguns minutos. Adormeci. A parede dura se assemelhou ao meu colchão D33. Esplendido!. Vale salientar, também aterrorizante.

Mesmo com tudo isso, eu acordei. Levantei-me, ainda cambaleante, escovei os dentes, troquei a vestimenta e cair na cama. Dessa vez foi na cama! Mas não durei muito tempo com a cabeça colada ao travesseiro. Bateu novamente aquela sensação de que algo estava para sair de mim. O meu fígado estava permeável. Só a bile teve vez. Um conteúdo de cor amarelo-esverdeado. Novamente, me levantei. Dormi após.

Não sei se eu sonhei. Eu também não tinha a menor condição de saber.

Às 9h45 meu despertador tocara. Uma música irritante no meu pé do ouvido. Deu-me uma vontade expressiva de jogar o celular, janela a baixo. Felizmente, não fiz isso.
Acordei com uma baita dor de cabeça. Meus músculos da face se contraíam. O enjôo me indicava o que estava por vir. Eu só pensava na minha prova.

Minha mãe me olhou com um cara de reprovação. Perguntou logo o que se passava. Eu, filha boa que sou, disse que tinha ingerido uma pequena quantidade de bebida alcoólica. “Apenas três doses, mãe.” Foi a minha frase feita. Ela ficou especulando o que poderia ter acontecido. Eu apenas curtia a minha ressaca e pensava como eu iria fazer a prova naquele estado deplorável. Com um coração tão bom que tem, minha genitora me deu uma carona até a faculdade, temendo maiores constrangimentos, caso eu pegasse um ônibus. Ainda bem.

Antes de ir até a sala de aula, fiz questão de tomar uma coca-cola. Não inventaram nada melhor para curar a ressaca. O enjôo não passava. Eu tremia. As minhas glândulas sudoríparas soltavam uma substância alcoólica pela minha pele. Suava, enjoava, preocupada. Peguei o elevador que me teletransportou até a sala de aula. O operador era um gay, por demais assanhado. Começou a reclamar do colega de trabalho por ter o deixado mofando naquele cubículo. Fiquei com pena do pobre. “Esse safado, vai me pagar. Sai para beber água e me deixa aqui. Ele vai ver só”, dizia ele, com certa delicadeza, enquanto eu respirava fundo para não vomitar ali mesmo. Eu começava, então, a ter leves impressões de que o meu teste periódico escolar iria ser um fiasco. Não era pra menos.

Quando entrei na sala, o professor nem havia chegado ainda. Fiquei sentada na cadeira, olhando para a cara dos meus colegas. Alguns estudavam, outros ensinavam e uma pequena parcela não entendia o que se passava. Pelo menos eu sabia que iria fazer prova, tinha gente que nem isso. Um camarada chegou de mão dada com a namorada. Pensei comigo: “O amor não é lindo, o amor é cara de pau”. O problema é que o coitado não sabia que naquele dia era a maldita prova. Eu sabia, pelo menos. Esse nome assusta quase todos os estudantes. Digo quase, pois não me assusta mais. Não que eu seja a super inteligente, mas é que, simplesmente, eu a ignoro. Minha ressaca estava aí como prova da minha falta de preocupação.

Até que em enfim, o professor chegou, para alegria da galera, e não da minha. Bufei umas três vezes. Respirei fundo, alonguei os braços e dei duas quebradinhas no pescoço, para um lado e para o outro. Fazia de tudo para que meu cerebelo captasse a melhor mensagem possível a respeito do meu estado físico e emocional. A prova caiu como uma luva em minhas mãos. Chega estava quentinha. Olhei para as questões atentamente. Meus pulmões trabalhavam a todo gás, tentando levar oxigênio para o meu cérebro e fazendo com que eu parasse de me sentir mal. A priori, eu estava muito mal. Quanta sem vergonhice.

Mesmo assim, eu estava disposta a fazer todas as questões. Estavam fáceis. Eu saberia responder todas elas, conscientemente. Cheguei a responder um parágrafo da segunda pergunta. Depois disso, era impossível me manter naquele ambiente. O sol do meio-dia disparava raios solares na minha face, que me irritavam profundamente. Feria nos olhos. Ou eu saia ou eu vomitava. A escolha só poderia ser minha. Eu escolhi sair, claro. Levantei-me, fui até o professor e disse: “Mestre, infelizmente, não tenho condições de fazer a sua prova. Estou passando mal.” Ele, fazendo jus ao cargo de professor de educação cidadã, fez de tudo para que eu permanecesse na sala. “Querida, fique embaixo do ventilador. Vá lá fora e volte. Tome uma água”. Eu, já ofegante: “Professor, não tenho a menor condição de ficar aqui. Não quero passar constrangimentos. Entenda”. Ainda insistente, ele falou: “Tudo bem, mas saiba que você corre o risco de fazer prova final”. Corro o risco? É claro que eu estava ciente de que faria prova final, caso eu largasse tudo ali mesmo. Sem dúvida alguma da minha decisão, eu proclamei: “Professor, eu me responsabilizo pelos meus atos. Pode deixar.” E sai em disparada para o banheiro. Forcei o vômito, enfiando meu dedo na goela. Nada. Nenhum sinalzinho se quer. Fui para o térreo e avistei alguns colegas. Andei para um lado e para o outro, procurando uma saída para aquele mal estar. Até que, opa! Acho que agora sai. Subi correndo ao banheiro novamente. Quando eu menos esperava, estava com a cara enfiada na bacia sanitária. Nesse momento, não sabia se o enjôo vinha de dentro ou de fora. O fedor era insuportável. Aquele odor de urina me sufocava a ponto de eu não mais querer expelir o que tinha no meu estômago. Fui embora daquele lugar nojento, sem ter cumprido o meu objetivo.

Fiquei sentada no banco do corredor. Eu não sabia o que fazer para acabar com aquele mal estar generalizado provocado pelo excesso de bebida alcoólica. Na boca, um gosto amargo. E as mãos trêmulas. Eu não queria fazer mais nada, a não ser deixar o tempo passar. Olhei para as paredes, que traziam grandes placas de conclusão de curso. Cada uma mais feia do que a outra. São execráveis. Por que não contratam um designer? Talvez resolvesse o problema, ou não?

Apenas uma me chamou bastante atenção. Na foto, os formandos, escovados e bem passados, pousavam em frente ao Palácio do Governador. Aquele lugar, pensei, me era bastante familiar. Passei alguns segundos olhando atentamente para a fotografia, sorrindo. Dei gargalhadas compulsivas, assim como fazem personagens de desenho animado. Eu ria incontrolavelmente. Sozinha, eu caí. As escadarias do Palácio do Governador já havia sido palco da minha embriaguez.

* Essa crônica foi baseada em relatos e um pouco de ficção.

terça-feira, 19 de maio de 2009

À revelia do piano

Aos 19 anos, Vítor Araújo já é considerado uma revelação da cena instrumental brasileira, chamando a atenção pela forma pouco convencional de interpretar os clássicos.

“No começo, dá um friozinho na barriga. Depois, parece que estou andando nas nuvens. O final é igual à sensação de Leite Moça na boca.” É com essas palavras que o jovem pianista Vítor Araújo, de apenas 19 anos, descreve o momento de estar no palco. A paixão começou ainda criança, ao ganhar um pequeno piano de presente e, devagarzinho, foi tirando do ouvido as músicas das rádios que escutava e os jingles dos comerciais de televisão. Ao perceber a facilidade do filho com o instrumento, o pai e atual empresário artístico, Túlio Montenegro, resolveu colocá-lo no Conservatório Pernambucano de Música. “Assim como toda criança, eu comecei a praticar piano como uma atividade extra, tipo esporte ou curso de inglês”, diz Vítor.

E foi a partir daí que tudo começou. Hoje, apesar de seus aprendizados terem sidos moldados em antigos ensinamentos, a palavra tradição está fora do vocabulário de Vítor Araújo. Para ele, o negócio mesmo é inovar. Com uma performance diferente, vestindo tênis All Star, calça jeans e camisa de malha, o jovem músico faz a platéia estremecer. Ele parece brincar com o teclado e com as partituras. Recentemente, foi pivô de uma polêmica envolvendo uma interpretação nada ortodoxa da obra Frevo, de Marlos Nobre, misturando jazz e música erudita. O vídeo, claro, foi parar no Youtube, levando o pianista a conquistar espaço no disputado mercado da música.

Indagado a respeito do episódio que, de certa maneira, o levou à fama, Vítor diz que não se incomoda e acha necessário existirem pessoas que defendam o tradicionalismo. Ele prega que deve haver os dois lados, tanto aqueles que radicalizam e quebram paradigmas, quanto aqueles que são interessados em manter a concepção e execução da obra como o autor a criou. “Não digo que minha forma de fazer música é melhor do que as outras. São dois pensamentos diferentes”, afirma.

Em seu disco, intitulado TOC – gravado ao vivo no Teatro de Santa Isabel e, diga-se de passagem, com lotação esgotada -, o músico pernambucano faz improvisações e citações. Renova aqui e ali, defendendo a sua liberdade de interpretação. “Estou enveredando para o lado do jazz, que é o que eu gosto mais de escutar hoje em dia, mas também toco um pouco de música erudita, pois foi com ela que convive durante muito tempo”, garante o jovem. Os artistas escolhidos para a gravação vão de Villa-Lobos (Dança do Índio Branco) a Chico Buarque (Samba e Amor), passando por Cláudio Santoro (Paulista nº 1), Luiz Gonzaga (Asa Branca), Edino Krieger (Sonatina para piano), Tom Zé (TOC) e Radiohead (Paranoid Android). Fora isso, tem ainda uma série de composições autorais, como Valsa para Lua e Última Sessão. O trabalho, dirigido por Fabrizio Martinelli, já ganhou proporções nacionais e até internacionais, além de recordes de acesso à internet, em sites de vídeos como o Youtube.

O talento veio à tona ao participar da Mostra Brasileira de Musica de Olinda, em 2007, ao lado de artistas como Naná Vasconcelos, Hamilton de Holanda e João Donato. “Algo que me recordo e que me deixa bastante feliz foi participar do último Abril pro Rock (2008). Achei diferente de todos os lugares onde já me apresentei. Tocar Villa Lobos em um importante festival, e que prestigia o rock brasileiro, foi uma das coisas mais ousadas que já fiz”, diz Vítor, que teve a sua apresentação prejudicada pela acústica da casa.

Deixando um pouco de lado o piano, nas horas vagas Vítor Araújo diz que gosta de “escutar o silêncio”. É dessa forma que ele busca inspiração para suas, digamos, peripécias. “Costumo sempre dizer que música é inerente a cada ser humano.” Mas, se é para ouvir boas composições, ele revela suas preferências. “Ouço Guinga, Lenine, Nação Zumbi, Mula Manca, Baden Powell, Miles Davis, Villa-Lobos, John Coltrane, Elis Regina, Nelson Pereira, Caetano Veloso, Chopin e por aí vai.”

Cinéfilo inveterado, é admirador de Sergei Eisenstein, Ingmar Bergman, Andrei Tarkovki, Jean-Luc Godard, François Truffaut e Frederico Fellini. “Já assisti de tudo no cinema”, declara expressando saudosismo em relação à sétima arte. Nas horas vagas, ele também se diverte saindo com os amigos e a namorada, a qual chama carinhosamente de “minha neguinha”. E sempre que tem jogo do Náutico, seu time do coração, Vítor marca presença no estádio dos Aflitos.

Paralelamente à carreira de concertista, marcada pelo arrojo interpretativo, Vítor Araújo também integra, há mais de três anos, a banda Seu Chico, cujo repertório é integralmente dedicado a Chico Buarque.

Ainda no início de carreira, mas dono de uma notoriedade invejável, Vítor atualmente se divide entre viagens e ensaios (cinco horas por dia). Por falta de tempo, largou o bacharelado em piano, na Universidade Federal de Pernambuco, mas diz que pretende voltar e concluir o curso. Planos para o futuro? “Vários”, diz ele. “Pretendo chegar aos 80 anos, talvez até de bengala, e fazer o que eu mais gosto: estar em cima do palco. Não sei se tocando, cantando ou fazendo qualquer outra coisa.”

Veiculada na revista Viasports, em agosto de 2008.

domingo, 10 de maio de 2009

Morte encefálica: até onde se tem vida?

A professora Maria Gorette Machado, de 44 anos, foi vítima de bala perdida no ano passado, entre o cruzamento das ruas da Hora e 48, no bairro do Espinheiro, Zona Norte do Recife. Na UTI, a falência do seu cérebro foi diagnosticada. Seguindo os padrões médicos legais do Conselho Federal de Medicina, ela foi considerada morta. A definição de morte a partir de pacientes terminais é um tema que ainda polariza discussões e leva à reflexão de quais parâmetros são aceitáveis para determinar o fim de uma vida. Em 1968, o "Relatório de Harvard" mudava a definição de morte, sendo aceita não apenas nos casos de paradas cardíacas, circulatórias e respiratórias, mas também sendo incluída nessa lista a morte cerebral. Ainda hoje, parentes de pessoas que se encontram nessa situação delicada ainda resiste em aceitar o quadro clínico. E esse tem sido o maior empecilho para a realização de mais transplantes no país, por causa do grande número de rejeições de doação de órgãos. Enquanto isso, a fila de espera por um doador só faz aumentar.

Apesar do desejo de doar ser de responsabilidade do indivíduo, é a família que autoriza ou não a retirada de órgãos e tecidos. E, como existem ainda muitos mitos e dúvidas envolvendo o assunto, a decisão - que já é rodeada por um forte impacto emocional - fica mais difícil. De janeiro a fevereiro de 2009, os hospitais de Pernambuco notificaram 37 mortes encefálicas, segundo a Secretaria de Saúde. Em 2008, o número total foi de 274.

De acordo com a médica plantonista do Hospital Real Português, localizado na Avenida Agamenon Magalhães, Dra. Feliciana Castelo Branco, o diagnóstico é decretado quando o paciente entra em coma profundo, sem resposta motora e nenhuma atividade cerebral. Nesse caso, é constatada a ausência total e irreversível da função do córtex e do tronco. Mas, graças aos aparelhos que reproduzem a função dos órgãos vitais, a medicina consegue manter funcionando, por tempo indeterminado, um corpo com quadro irreversível. "É difícil de uma família entender a morte do parente no caso da encefálica, já que o coração, um órgão considerado importante, continua a funcionar. Então, muitas vezes, existe a resistência de querer desligar os aparelhos", comenta a médica.

Os avanços da medicina em salvar vidas dão margem à esperança dos parentes, que, por muitas vezes, considera o último suspiro do batimento cardíaco como critério de vida. A lei no Brasil encara como homicídio a eutanásia (ato deliberado de apressar o fim de quem está morrendo). Já a ortotanásia, a "morte no momento certo", é considerada omissão de socorro e tem pena que vai de um a seis meses de prisão. Apesar disso, esse tipo de prática é freqüentemente realizada. Nela, o médico retira os aparelhos e deixa o doente seguir seu curso de morte.

Ainda segundo a Dra. Feliciana Castelo Branco, os procedimentos na hora de detectar a morte cerebral são bastante rigorosos e seguem detalhadamente o que determina o Conselho Federal de Medicina. "São feitos exames clínicos em intervalos de seis horas, por dois médicos diferentes, um deles deve ser neurologista e pode ser escolhido pela família. Ainda tem o exame complementar, onde é comprovada, definitivamente, a ausência da atividade cerebral", explica. Ela diz que também que, após a confirmação de que o paciente encontra-se em fase terminal, o caso é obrigatoriamente repassado à Central de Transplantes de órgãos do Estado, responsável por intervir, junto à família do paciente, nos assuntos relacionados à doação de órgão. “Depois disso, a família decide com a equipe médica sobre a condição do paciente. Se o doente será ou não retirado do suporte avançado de vida”, fala a profissional de saúde do Hospital Português.

Doação de órgãos ainda precisa de estímulos

A polêmica sobre doações de órgãos a partir de um paciente terminal ainda resiste e é retrato dos baixos índices de transplantes e da lista de espera de pacientes que aguardam por uma chance de sobrevivência. Em 2008, foram feitos em Pernambuco cerca de mil cirurgias, ou seja, 20% a mais em relação ao ano de 2007, de acordo com dados divulgados pela Central de Transplantes de órgãos de Pernambuco

Atualmente, 3.526 pessoas esperam nos hospitais por um transplante, sendo sete por um coração, 314 por um fígado, 1.080 por uma córnea, 2.125 por um rim. “A doação tem alcançado uma melhora a cada ano, mas, se comparado com a lista de espera, ainda beira a insuficiência”, comenta a coordenadora da Centra de Transplantes de Pernambuco, Dra. Zilda Cavalcanti.

De acordo com ela, os maiores problemas detectados pela equipe da central são a falta de sensibilidade por parte da família dos doadores, além da necessidade de capacitação dos profissionais de saúde, entre eles; médicos e enfermeiros. É necessário lembrar que a lei brasileira dar o direito apenas à família de autorizar a doação dos órgãos, mesmo que, enquanto vivo, o paciente opte pela doação.

“A recusa da família ainda é muito grande. É preciso um melhor conhecimento sobre como funciona o processo de doação de órgãos para que a idéia seja amadurecida. Tem gente que pensa que o paciente vai ser amputado, enquanto não é isso. Você que é doador avise a sua família para que ela exerça a sua vontade, quando você não puder mais expressá-la”, avisa a coordenadora do núcleo.

Box:

Tipo de doadores:
Quem pode ser doador?
Todo cidadão, após o diagnóstico de morte encefálica ou a parada do coração.
Doador vivo - A doação ocorre a partir de pessoas vivas, sendo permitida apenas nos seguintes casos:
- Órgãos duplos ou partes de órgãos, cuja retirada não cause transtornos à vida do doador;
- Quando não há grave comprometimento das aptidões vitais e da saúde mental;
- Quando não causa mutilação ou deformidade inaceitável.
Doador cadáver - A retirada de órgãos e tecidos destinados a transplante deve ser precedida de diagnóstico de Morte Encefálica. O transplante só pode ser autorizado após a realização, no doador, de testes de triagem para afastar infecção sangüínea. Um doador cadáver pode doar órgãos e tecidos para até 12 pessoas, portanto, após a retirada, o cadáver é devidamente recomposto e entregue à família ou aos responsáveis legais para o sepultamento.
*informações do site http://www.transplantes.pe.gov.br

quarta-feira, 18 de março de 2009

Craques em colecionar


Mania dos apaixonados pelo futebol é reunir camisas de times. O pré- requisito é: quanto mais velho for o uniforme, melhor.

Dono de uma popularidade invejável a qualquer outro esporte, o futebol reúne uma legião de praticantes. Para alguns, a paixão pela bola no pé acompanha o gosto por colecionar. E o fanatismo acaba indo além dos gramados e vai parar no guarda-roupa. A peregrinação por camisetas de time virou mania entre os brasileiros, como é o caso do publicitário Felipe Marx, de 33 anos, que possui uma coleção de camisas de times nacionais e internacionais.

O gosto por reunir uniformes, vale ressalta que é apenas a parte de cima, veio por um acaso. A primeira camisa do publicitário foi em 1988, quando a vó dele viajou à Europa e lhe trouxe uma do Barcelona. O fato é que, com a brincadeira, Marx hoje possui, aproximadamente, 60 peças. E não nega, apesar da adoração ao futebol, é são paulino de coração. “Cheguei ao ponto de me casar com uma camisa do São Paulo por baixo do fraque. Não tenho muitas camisas do meu time, umas cinco ao todo, mas uma delas é especial para mim: a de 1991, com todos os autógrafos dos jogadores”, fala Felipe.

Assim com a maioria dos colecionadores, Felipe corre atrás de uma boa relíquia. Camisas que carregam algum tipo de história ou compradas em alguma circunstância especial, como viagens, são requisitos fundamentais para se tornarem colecionáveis. “Antes, trocava camisas pelo correio com correspondentes que eu encontrava em revistas européias. Era tudo na base da confiança. Tomei alguns tombos, mas consegui camisas muito legais. Hoje, tenho feito trocas esporádicas com colecionadores brasileiros, ou comprado em viagens de lazer ou trabalho”, comenta ele.

Filho de peixe, peixinho é, já diria o ditador popular. Caio, de apenas cinco meses, filho de Felipe Marx, parece que irá seguir a mesma mania do pai. Na pequena cômoda estão guardadas as camisas do São Paulo, do Boca Junior e do Nueva Chicago, da Argentina.

Unidos pelo mesmo motivo, os irmãos Vinícius e Vítor Cunha, respectivamente 14 e 19 anos, são jovens colecionadores, mas não ficam para trás quando o assunto é camisas de futebol. Juntos, possuem um montante de quase 74 itens. “Quem ganhou a primeira camisa foi Vinícius. A partir daí, decidimos colecionar juntos. Tentamos sempre comprar, pelo menos, uma por mês. Lógico que nem sempre é possível”, ressalva o mais velho.

Por ter pouca idade, Vinicius, sempre que pode, apela por uma camisa para completar a coleção, principalmente, em datas comemorativas. “A gente compra mais camisas internacionais, pois achamos mais bonitas, além disso, no Brasil temos o nosso time do coração, que o é Sport”, comenta o adolescente.

Apesar de um cuidado muito maior do que as outras roupas, o estudante alega que, frequentemente, usa as camisas para sair. “A gente sempre usa as camisas. Tem uma que é especial e que, por isso, não vestimos, a do Grêmio autografada por Felipão, que na época era técnico da equipe”, diz Vítor, tendo a aprovação do companheiro de coleção.

Pela dificuldade de encontrar camisas de paises estrangeiros, os dois irmãos recorrem à internet para adquiri-las. Os dois deixam claro que não compram uniformes de clubes adversários ao Sport Clube do Recife, equipe para qual torcem. Já o estudante de direito Vinícius Medeiros, e o mais radical dos colecionadores, diz ser fiel ao time que torce, o Santa Cruz. “Só compro camisas internacionais. Nacionais, só as do santinha”, sentencia. Novato na arte do colecionismo, Medeiros chega perto de 20 peças no guarda-roupa.

Atualmente, quem leva o troféu de maior colecionador brasileiro de camisas de futebol é o empresário Paulo Gini, dono, também, do título de terceiro maior colecionador de camisas de futebol do mundo e o maior da América Latina, com mais de três mil itens em seu acervo.

Internet facilita a troca de ideías

Para compartilhar algumas aventuras e trocar idéias sobre as camisas, o publicitário Felipe Marx criou o site chamado “minhas camisas” (www.minhascamisas.com.br). “Congreguei em torno do site uma legião de amantes de camisas, que passaram a me ajudar nos relatos, indicando camisas novas, lançamentos, lojas, etc”, conta ele. O resultado é que, atualmente, a página tem 100 mil visitas mensais, e não pára de crescer.

O site existe desde 2006. Nele, são feitas trocas, vendas e compras de novos itens para a coleção dos que aderiram à febre. Além de ser formado por fóruns de discussões, fotos dos últimos modelos lançados e histórias engraçadas de internautas, que contam alguma de suas aventuras como colecionadores.

“Digo que, em um meio como o futebol onde as paixões às vezes levam a
confrontos, as camisas de futebol une amigos de todo o mundo. No meu site, atleticanos, cruzeirenses, palmeirenses, corinthianos, flamenguistas, vascaínos, tricolores, rubro-negros e alvirrubros deixam suas diferenças de lado e irmanam-se na paixão pelas suas camisa”, diz orgulhoso o criado do site.

O tema também é explorado por integrantes de sites de relacionamento, como o Orkut. A comunidade “camisas de futebol” tem mais de 4 mil membros.

Matéria veiculada na Revista Viasports

Entre o céu e o mar


Conheça a modalidade que mexeu com a cabeça dos surfistas, revolucionou os esportes aquáticos e enche de cores as praias brasileiras

A emoção de juntar céu e mar. Essa aventura com sabor de liberdade é conhecida pelo nome de kitesurf, ou apenas kite. E é provocada pela simples combinação de uma pranchinha nos pés somada à força dos ventos impulsionando uma pipa presa às mãos por uma corda. O resultado: um vôo rasante na água e visual de encher os olhos. Quem já viu algo parecido provavelmente entendeu que esse é o espírito do esporte – uma mistura de surfe, windsurfe e wakeboard (esqui aquático).

Apesar de ser uma prática relativamente nova, o kite já possui adeptos no mundo todo. No Brasil, são mais de três mil praticantes. Entre eles, atletas profissionais que elevaram o esporte para além de um estilo de vida; e melhor, arrasando nos torneios. Mas num país que possui, de norte a sul, mais de sete mil quilômetros de litoral – percurso que reúne os melhores lugares para praticar o kitesurf -, soaria mesmo estranho se os brasileiros ficassem para trás.

Miller Morais, 27 anos, está ai para comprovar essa teoria. Nascido em Ilhabela, São Paulo, resolveu ser atleta profissional na área de esportes radicais. A paixão pelo kitesurf começou quando viajou para o Havaí, em 1999. Foi lá também, onde a prática já era bem mais difundida, que aprendeu novas manobras e conheceu melhor o esporte. A partir daí, passou a difundir pelo Brasil todas as suas experiências adquiridas no exterior. Segundo colocado no Mundial de Kitersurf PKRA (Professional Kiteboard Rides Asssociation), na categoria Wave, Morais diz que costuma treinar nas praias do Nordeste. “Gosto de velejar com ventos em torno dos 25 nós endas de dois a três metros, mais ou menos”.

Além dos ventos, que dão o impulso para a realização das manobras, é a pipa o principal instrumento do Kitesurf, funcionando como uma espécie de pára-quedas (é feita do mesmo material). O formato abaulado e as asas aerodinâmicas são para facilitar o vôo. Essa estrutura foi pensada por Dominique e Bruno Legaignoux, dois irmãos franceses obcecados por velejo e esportes aquáticos, ao registrar a patente da “asa curvada com estrutura inflável”. A partir daí, em 1985, o kitesurf tomou sua forma atual. A regulamentação do esporte é monitorada pela Associação Brasileira de Kitersurf (ABK). Para isso, todas as escolas de kite são monitoradas a partir de um padrão estabelecido, que consiste em uma prática segura e profissional. “A evolução dos equipamentos, para torná-los mais seguros, também, tem sido uma constante. É bom também tomar cuidado com os lugares, pois nem todos são apropriados para a prática”, comenta Miller Morais.

Apesar de o clima ser favorável o ano inteiro, cada região do Brasil apresenta os melhpores ventos em determinadas épocas. Da Bahia em direção ao Sul do país, a chegada das frentes frias favorece à pratica do kitesurf. No Nordeste, a temporada dos ventos começa a partir de junho e vai até fevereiro. No ranking das melhores praias para a pratica, Praia de Luís Correia (PI), Jericoacoara (CE), Cumbuco (CE), São Miguel do Gostoso (RN), Maracaípe (PE), Ilhabela (SP), Postinho (RJ), Araruama (RJ) e Ibiraquera (SC).

Apaixonado pelas praias cearenses, João Henrique Ferreira, 33 anos, que é kitesurfista e fotógrafo profissional, costuma dizer que o Ceará tem um clima excelente, águas na temperatura ideal e os melhores ventos para a prática do kitesurf. Tanto que se mudou para lá. “As praias do Futuro, de Paracuru, do Coqueiro e a de Cumbuco são as minhas preferidas.” Esta última já sediou, ano passado, a sexta etapa do mundial do Kite Professional World Tour (KPWT).

Além de desfrutar da sensação que o esporte lhe proporciona, João também leva a vida fotografando outros atletas, registrando cada momento de saltos, giros e quedas. “O kite é um esporte que nos passa uma energia muito boa de liberdade. Não há motor, apenas a força do vento junto com a pureza da água do mar e a beleza natural da praia.”, descreve. Em 2007, ele ficou entre os três melhores no brasileiro e foi segundo colocado do campeonato cearense. “Estou me dedicando para continuar entre os três melhores do campeonato brasileiro, senão o melhor, e conseguir outros títulos.”

O pernambucano Eduardo Fernandes, mais conhecido com “Rato”, é também um dos atletas seduzidos pelo estilo do kitesurf. Surfista Professional, assim como Miller Morais (são amigos) ele conheceu o esporte quando viajou ao Havaí, em 2000. “Alguns surfistas profissionais amigos meus começaram a fazer e me incentivaram a praticar. Acabamos nos motivando”, conta ele, que de tanto treinar, acabou conquistando o vice-campeonato da primeira etapa do brasileiro de kitewave, em 2007, e foi campeão sul-americano de hang time, em 2003.

Distante das competições, Rato divide o seu tempo entre o trabalho, a família e o kitesurf. É dono e professor de um centro de treinamento de esportes de prancha, o Boardcenter, que fica na praia de Maracaípe, Litoral Sul de Pernambuco. “Nossa escola é referência no ensino do kite no Brasil. Já formamos mais de 750 alunos”, afirma. Para os que pretendem se aventurar no esporte, ele adverte que é fundamental saber nadar e aprender a manusear corretamente os equipamentos.

Nas competições, as modalidades mais conhecidas são o Freestyle, executado com manobras similares às de wakeboard (em vez de uma pipa, a prancha é puxada por um barco em alta velocidade); a regata, que se assemelha às corridas de vela; e o kitewave, com manobras executadas nas ondas, parecido com o surfe. De acordo com Gustavo Foerster, competidor e diretor de conteúdo do site Windzen, www.windzen.com.br, (responsável pela revista Kitesurf Mania), a nova onda do momento, e a preferida dos atletas, é o kitewave. “O kitewave é uma das modalidades que mais crescem, devido a sua similaridade com o surfe, além do aperfeiçoamento dos equipamentos.” Os fabricantes até já aderiram à mistura e passaram a adaptar as verdadeiras pranchas do surf para servirem de velejo. Em setembro deste ano, Gustavo ficou em nono lugar no primeiro Sul-Americano de Kitesurf Wave. O evento contou com mais de 60 inscritos do Brasil, Argentina, Chile e Peru.

Na mira das competições

Anualmente, o circuito brasileiro, os campeonatos estaduais e as etapas do mundial fazem parte da rotina dos atletas. No time feminino, está a tetracampeã brasileira Carol Freitas. Graças ao reinado, que começou em 2002, Carol faz parte do time que representa o Brasil nos campeonatos internacionais. Com o mesmo entusiasmo, a paulista Bruna Kajiya também é um dos grandes nomes e trouxe para o país o vice-campeonato na segunda etapa do Circuito Mundial de Kitesdurf, este ano.
Favorito na categoria wave, o baiano Roberto Vieira, o Robertinho, também tem alcançado excelentes resultados. Com duas finais nas principais etapas do circuito de 2007, o Mormaii Ibiraquera Wave Contest (SC) e o oi Kitesurf, na Barra da Tijuca (RJ), garantiu o título de vice-campeão brasileiro.

Assim como a maioria, Robertinho também era surfista. Até o dia em que o vento passou a ser o seu maior aliado. “Tudo começou quando eu voltava do trabalho pela orla e vi um cara desc endo uma onda de kite meio desengonçado. Parei o carro e descobri, naquele momento, que eu poderia surfar uma onda com a ajuda do vento. Afinal, sempre que ventava, o mar ficava mexido e eu não ia surfar”, explica o primeiro praticante de kitesurf da Bahia, e hoje, um dos principais atletas do país.

Outros destaques que disputam competições ao redor do mundo são Reno Romeu (RJ), na categoria Freestyle; Wilson Veloso (PB); Guilherme Brandão (SP), o Guilly, que foi terceiro colocado no mundial de 2007; Dudu Schultz (SC); Victor Aldamo (SP); Silvio Vilarin (RN); Evandro (CE); Tomaz (CE); Goiaba (CE); e Marcelo Cunha (RJ). Como atesta Robertinho. O Brasil está muito bem representado. “Ainda não temos um campeão mundial, mas vamos ter com certeza, muito em breve”, avisa.

Matéria veiculada na Revista Viasports - outubro/novembro 2008