sábado, 23 de janeiro de 2010

Um olhar sobre a Rocinha


Isso mesmo, a Rocinha.
Assim como você (nem tanto), eu achava que subir em morros cariocas era coisa de novela. Para isso, precisava-se recrutar seguranças e pedir permissão ao chefe do tráfico.
Evidentemente, é assim que a “banda toca” em algumas favelas do Rio de Janeiro, mas existem outras que são possíveis de se visitar.

Ao saber disso, decidi fazer um tour pela Rocinha, umas das maiores e mais bonitas favelas do Brasil, com a ajuda de uma companhia de turismo. Depois que entrei em contato, fiquei bastante ansiosa. Tenho uma ligação muito forte com favelas e, principalmente, com a cultura peculiar de cada uma delas.

Às 14h, eu estava de saída. Antes de chegarmos ao destino, fomos buscar outras pessoas. Ao todo, foram quatro poloneses e dois espanhóis. Eu era a única brasileira...e pernambucana, ainda por cima.

O calor estava doendo no couro. Os turistas mais prevenidos levaram um chapéu. A espanhola, toda vestida de vermelho almodovariano, começou a chiar. Ficou nos primeiros minutos de cara fechada, até o marido dela pedir para cobrir o teto do Jeep com a lona. Eu, lógico, fiquei puta, mas entendi a necessidade estrangeira alheia.

Sim! Esqueci de comentar sobre o nosso guia. Era um italiano alto, de olhos azuis e cabelos totalmente brancos. O sotaque ainda o denunciava, mas seu português era impecável. Mora no Rio de Janeiro há trinta anos e tem nome inglês, John.

No caminho, ele explicou a origem da praia de Copacabana. Reza a lenda que Nossa Senhora tinha aparecido para um pescador naquela mar. Para homenageá-la, ele esculpiu a imagem da santa, que ficou conhecida como Nossa Senhora de Copacabana. Por sua vez, Copacabana é o nome de uma cidade boliviana, que se situa às margens do lago Titicaca. Muitos navios espanhóis, que saiam do Peru e da Bolívia, faziam comercio naquela área.

Outros bairros famosos também foram apresentados pelo guia, assim como a lagoa Rodrigo de Freitas. Cheguei à conclusão que todos os bairros da cidade maravilhosa são dignos de visitação e deslumbre. São ruas bastante arborizadas, sinalizadas e de riquezas históricas que dão vontade de passar o dia inteiro escutando.

Enfim, chegamos ao bairro da Gávea e começamos a subir uma enorme ladeira. De um lado e de outro, imensas mansões corriam diante dos nossos olhos. É impossível não ficar fascinado com a beleza das casas. Mas, à medida que íamos nos aproximando, a pobreza aparecia ao longe...
As casas vão deixando de ter muros altos e arquitetura para serem pequenas moradias, amontoadas, feitas de tijolos. Algumas possuem o privilégio de terem reboco e pintura, outras nem isso.

Ao virarmos à direita, o guia anunciou: “chegamos à maior favela do Brasil”. Olhei para trás... as grandes mansões tinham ficado pequeninas. O contraste deixou de existir. Do alto, quem domina é a comunidade da Rocinha, com seus, aproximadamente, 100 mil habitantes.

A minha vista vagou, tentando fotografar cada detalhe. Crianças com o cabelo pintado de amarelo corriam na rua sem nome. Pessoas subiam e desciam, sem parar, na garupa das motos. Olhei para cima e vi uma senhora estendendo lençóis. Ela sorriu quando notou a minha presença curiosa. Eu devolvi a gentileza.


Enquanto meu sorriso ainda se desfazia, meus ouvidos captavam a informação do guia. Então, por que Rocinha?
Por volta de 1930, naquele lugar existia uma fazenda chamada Quebra-Cangalha. Essa terra começou a ser repartida em pequenas chácaras. Os primeiros moradores que se fixaram ali, para sobreviverem, cultivavam frutas e verduras. Todos os produtos eram comercializados na feira da Praça Santos Dumont. Quando os fregueses perguntavam de onde vinham as frutas e legumes vendidos na praça, todos respondiam “vem da rocinha”.

Após o pequeno histórico, descemos do carro para conhecer trabalhos artísticos feitos por moradores. Um deles, com uma ginga malandra, tipicamente carioca, veio falar inglês comigo. “Hi, my friend. This picture is fifty reais”. Eu disse: “Sou brasileira”. Ele continuou: “Ah, é? Pra você eu faço R$ 40, minha patroa”. Prontamente, respondi “Sou pernambucana”. O vendedor, em desistência, falou “Então, faço R$ 30 pá senhora levar um trabalho meu”. Rimos juntos. O nome dele é Roberto Dantas. O quadro que comprei é uma pintura da favela da Rocinha.

Adentramos ainda mais na favela. É impossível esquecer os problemas sociais e perceber apenas a beleza. A cada novo passo, o retrato da miséria era nítido. O guia comentou que os governos federal e estadual têm realizado trabalhos concretos para ajudar num crescimento civilizado. Uma das obras de importância é o hospital da Rocinha, concebido pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Hoje em dia, todas as moradias possuem água encanada, reservatório e energia elétrica. Deparamos-nos com um grande ninho de fios de um poste. A gambiarra chegava quase no chão. O turista polonês parecia ter certeza de como as coisas funcionam...para os íntimos, o famoso “gato”. “Some people pay and some people not pay.” No entanto, como nos informou o leitor Carlos Costa, morador da Rocinha e diretor geral do jornal Rocinha Notícias, os amontoados de fios não são de "gatos", e sim, das companhias telefônicas que os agrupam excessivamente aproveitando as estruturas dos postes de energia elétrica para sustentação. "São cabeamentos regulares de clientes oficiais da companhias telefônicas. Os gatos são feitos de formas sutis junto aos medidores domiciliares, até porque a Companhia elétrica faz vistorias diárias de forma ostensiva", completou.

A próxima parada foi numa laje. O morador, de tão esperto que é, tratou logo de providenciar um cantinho para que os visitantes tivessem um panorama geral da Rocinha. Boa idéia. A vista é mesmo de arrepiar. Espantei-me com tamanha grandiosidade. Acho que um ano não seria suficiente para percorrer toda a favela.

Depois, andamos durante uma hora e meia, por entre ruas e vielas. As pessoas olhavam de lado, um pouco desconfiadas, mas, no fundo, sei que sentem orgulho de morar em um lugar tão especial. E que, de tão especial, vem gente lá de longe para apreciar.


A Rocinha leva a denominação de uma favela, mas é, sem dúvida, uma cidade dentro do Rio de Janeiro. Quem já viu favela ter Bob´s, Mcdonald´s, Itaú, Caixa Econômica e Brasdesco?

É...para você que ainda não conhece, acho bom derrubar as máscaras do preconceito e olhar de perto o modo de vida de uma cultura diversificada.
Esqueça as incursões policiais, o medo, a pobreza...desenvolva a sensibilidade de perceber o que é realmente belo. Pão de Açúcar e Cristo redentor já não estão com nada. São envelhecedores.


p.s1: No mesmo dia, conhecemos a sede da escola de samba Acadêmicos da Rocinha. Ainda segundo o leitor Carlos Costa, ela está no grupo A (de acesso) e basta ganhar o carnaval em seu grupo para ingressar no grupo Especial (a elite do carnaval carioca). Vamos torcer!

p.s2: Eis uma música do Caju e Castanha em homenagem à favela da Rocinha.

Favela da Rocinha

Quem vem ao Rio
Não se esqueça de passar
Na favela da Rocinha
Que lá é um bom lugar

É uma cidade
Dentro de uma favela
Michael Jackson
Teve nela e muita gente foi olhar

Lá na rocinha
Tem colégio e hospital
Para o povo não passar mal
E criança estudar

Tem uma feira
Que rola o dia inteiro
Tá cheia de nordestino
Ainda vem do estrangeiro

Rocinha hoje
É um acervo cultural
Tem rádio e tem jornal
E tem motel pra se amar

Quatorze creches
Um campo de futebol
Acadêmicos da Rocinha
Representando o lugar

Lá na Rocinha
Se você quiser saber
Digo agora pra você
As belezas que tem lá
Tem celular
Também tem computador
TV a cabo chegou
Para o povão desfrutar

É uma favela
Dentro do Rio de Janeiro
Com fama no mundo inteiro
E virou bairro popular

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

À sombra do sol


Árvore grande no meio do nada
Nem fruto eu sei se ela dá
A única coisa que sei é da menina da pele castigada pelo sol
Que descansa onde os galhos projetam grandes sombras
Alí, ela cochila todas as tardes, após plantar as sementes
Através do sonho, a moça bonita viaja, viaja
Sabe que pode alcançar o céu
Os pés do chão ela não tira
A terra árida não intimida seus dedos delicados
Novos, mas cheios de sofreguidão
Um dia, as coisas hão de se ajeitar
E flores nascerão para mostrarem o caminho

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

“A mãe do Lula”


Dia 1º de janeiro é tediante. A cidade fica calma, os carros e as pessoas desocupam as ruas, o comércio é fechado e a televisão brasileira não passa nada que preste. Então, após comer um R.O, fui tentada a assistir a estréia do filme “Lula, o filho do Brasil”, dirigido por Fábio Barreto.
A sessão estava lotada de pessoas curiosas em confirmar o desastre que é a película ou admirar a sofrida trajetória do nosso presidente.
Começou com uma enorme tela preta e o aviso de que o filme não recebeu nenhuma lei de incentivo para ser produzido. Tudo bem, a gente acredita. Mas nunca antes na história desse país eu vi tanta empresa privada patrocinando um filme. Diante dos nossos olhos, uma lista de marcas subia na tela: Camargo Corrêa, Senai, Grendene, Souza Cruz, Volkswagen, Hyundai, OAS, Odebrecht, Oi, Ambev (sendo representada pela Brahma) e até o grupo EBX, de Eike Batista. As piadinhas do público foram inevitáveis. Deveriam ter tomado muito cuidado com isso, já que de cara incita a não aceitação da crítica (e dos telespectadores, claro).
Aí, vem o segundo grande lance: o filme do Lula não é do Lula! É da mãe dele. A pessoa que mais se evidencia na trama é Dona Lindu.
Fábio Barreto tinha em mãos a matéria-prima de uma história de vida excepcional, merecedora, sem dúvida, de um bom roteiro. Mesmo assim, ele deixou a saga única de um retirante nordestino que chega à Presidência da República, apesar da desigualdade brasileira, ir para o beléu.
“Lula, o filho do Brasil” não convence nem os mais sensíveis. O sertão é sutilmente apresentado e a pobreza não é afetiva. As cenas são quase um déjá vu de outros filmes que envolvem o interior nordestino. Quando criança, Lula parecia um garotinho predestinado à vida política. Como pode?
Sem falar na narrativa, que é linear e bastante convencional. Em uma cena ele é um simples metalúrgico e, em dois minutos, vemos o “futuro do país” discursando como presidente de sindicato.
De um melodrama épico (bastante explicadinho e redundante), o filme se torna cansativo da metade para o final. As imagens da iniciação política já foram vistas por diversas vezes nas matérias da TV Globo. Um amontoado de clichês. Como se justifica uma produção tão decadente dentro de um orçamento de, aproximadamente, R$ 31,6 milhões. Abre parêntese. Desvio de dinheiro? Em tempo, a campanha da Dilma Roussef, daqui a alguns meses, deverá estar recheada de produções cinematográficas. Fecha parêntese.
O filme termina quando Dona Lindu morre e Lula sai do DOPS, após passar um mês comendo o pão que o diabo amassou. A gente subentende isso, pois as ceninhas de Lula levando porrada foram confiscadas. A politicagem é apenas pincelada nos discursos pífios, que não chegam nem próximos da tão bem falada oratória lulista.
Apesar de uma carga dramática, “Lula, o filho do Brasil”, diferente de “Dois filhos de Francisco” (desculpe, a comparação foi involuntária), não conseguiu tirar uma gota dos meus canais lacrimais.

p.s1: esse post não tem nada a ver com minha escolha política, pois, assim como você, também votei em Lula duas vezes seguidas.

p.s2: decidi escrever sobre “Lula, o filho do Brasil” porque ele é ruim. Não tanto quanto “Do começo ao fim”, que, de tão catastrófico, abandonei na metade.

p.s3: de emocionante, só a trilha de abertura intitulada "Jornada", feita por Antônio Pinto.

p.s4: o Brasil está para Lula, assim como Lula está para o Brasil. Lula tem a alma do povo. E é exatamente isso que identifica essa proporção direta e o legitima como “filho do Brasil”.
Para fechar, um poema de Mário de Andrade, do qual me recordei ao ver o filme:

Ode ao Burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burgês!...