terça-feira, 19 de maio de 2009

À revelia do piano

Aos 19 anos, Vítor Araújo já é considerado uma revelação da cena instrumental brasileira, chamando a atenção pela forma pouco convencional de interpretar os clássicos.

“No começo, dá um friozinho na barriga. Depois, parece que estou andando nas nuvens. O final é igual à sensação de Leite Moça na boca.” É com essas palavras que o jovem pianista Vítor Araújo, de apenas 19 anos, descreve o momento de estar no palco. A paixão começou ainda criança, ao ganhar um pequeno piano de presente e, devagarzinho, foi tirando do ouvido as músicas das rádios que escutava e os jingles dos comerciais de televisão. Ao perceber a facilidade do filho com o instrumento, o pai e atual empresário artístico, Túlio Montenegro, resolveu colocá-lo no Conservatório Pernambucano de Música. “Assim como toda criança, eu comecei a praticar piano como uma atividade extra, tipo esporte ou curso de inglês”, diz Vítor.

E foi a partir daí que tudo começou. Hoje, apesar de seus aprendizados terem sidos moldados em antigos ensinamentos, a palavra tradição está fora do vocabulário de Vítor Araújo. Para ele, o negócio mesmo é inovar. Com uma performance diferente, vestindo tênis All Star, calça jeans e camisa de malha, o jovem músico faz a platéia estremecer. Ele parece brincar com o teclado e com as partituras. Recentemente, foi pivô de uma polêmica envolvendo uma interpretação nada ortodoxa da obra Frevo, de Marlos Nobre, misturando jazz e música erudita. O vídeo, claro, foi parar no Youtube, levando o pianista a conquistar espaço no disputado mercado da música.

Indagado a respeito do episódio que, de certa maneira, o levou à fama, Vítor diz que não se incomoda e acha necessário existirem pessoas que defendam o tradicionalismo. Ele prega que deve haver os dois lados, tanto aqueles que radicalizam e quebram paradigmas, quanto aqueles que são interessados em manter a concepção e execução da obra como o autor a criou. “Não digo que minha forma de fazer música é melhor do que as outras. São dois pensamentos diferentes”, afirma.

Em seu disco, intitulado TOC – gravado ao vivo no Teatro de Santa Isabel e, diga-se de passagem, com lotação esgotada -, o músico pernambucano faz improvisações e citações. Renova aqui e ali, defendendo a sua liberdade de interpretação. “Estou enveredando para o lado do jazz, que é o que eu gosto mais de escutar hoje em dia, mas também toco um pouco de música erudita, pois foi com ela que convive durante muito tempo”, garante o jovem. Os artistas escolhidos para a gravação vão de Villa-Lobos (Dança do Índio Branco) a Chico Buarque (Samba e Amor), passando por Cláudio Santoro (Paulista nº 1), Luiz Gonzaga (Asa Branca), Edino Krieger (Sonatina para piano), Tom Zé (TOC) e Radiohead (Paranoid Android). Fora isso, tem ainda uma série de composições autorais, como Valsa para Lua e Última Sessão. O trabalho, dirigido por Fabrizio Martinelli, já ganhou proporções nacionais e até internacionais, além de recordes de acesso à internet, em sites de vídeos como o Youtube.

O talento veio à tona ao participar da Mostra Brasileira de Musica de Olinda, em 2007, ao lado de artistas como Naná Vasconcelos, Hamilton de Holanda e João Donato. “Algo que me recordo e que me deixa bastante feliz foi participar do último Abril pro Rock (2008). Achei diferente de todos os lugares onde já me apresentei. Tocar Villa Lobos em um importante festival, e que prestigia o rock brasileiro, foi uma das coisas mais ousadas que já fiz”, diz Vítor, que teve a sua apresentação prejudicada pela acústica da casa.

Deixando um pouco de lado o piano, nas horas vagas Vítor Araújo diz que gosta de “escutar o silêncio”. É dessa forma que ele busca inspiração para suas, digamos, peripécias. “Costumo sempre dizer que música é inerente a cada ser humano.” Mas, se é para ouvir boas composições, ele revela suas preferências. “Ouço Guinga, Lenine, Nação Zumbi, Mula Manca, Baden Powell, Miles Davis, Villa-Lobos, John Coltrane, Elis Regina, Nelson Pereira, Caetano Veloso, Chopin e por aí vai.”

Cinéfilo inveterado, é admirador de Sergei Eisenstein, Ingmar Bergman, Andrei Tarkovki, Jean-Luc Godard, François Truffaut e Frederico Fellini. “Já assisti de tudo no cinema”, declara expressando saudosismo em relação à sétima arte. Nas horas vagas, ele também se diverte saindo com os amigos e a namorada, a qual chama carinhosamente de “minha neguinha”. E sempre que tem jogo do Náutico, seu time do coração, Vítor marca presença no estádio dos Aflitos.

Paralelamente à carreira de concertista, marcada pelo arrojo interpretativo, Vítor Araújo também integra, há mais de três anos, a banda Seu Chico, cujo repertório é integralmente dedicado a Chico Buarque.

Ainda no início de carreira, mas dono de uma notoriedade invejável, Vítor atualmente se divide entre viagens e ensaios (cinco horas por dia). Por falta de tempo, largou o bacharelado em piano, na Universidade Federal de Pernambuco, mas diz que pretende voltar e concluir o curso. Planos para o futuro? “Vários”, diz ele. “Pretendo chegar aos 80 anos, talvez até de bengala, e fazer o que eu mais gosto: estar em cima do palco. Não sei se tocando, cantando ou fazendo qualquer outra coisa.”

Veiculada na revista Viasports, em agosto de 2008.

domingo, 10 de maio de 2009

Morte encefálica: até onde se tem vida?

A professora Maria Gorette Machado, de 44 anos, foi vítima de bala perdida no ano passado, entre o cruzamento das ruas da Hora e 48, no bairro do Espinheiro, Zona Norte do Recife. Na UTI, a falência do seu cérebro foi diagnosticada. Seguindo os padrões médicos legais do Conselho Federal de Medicina, ela foi considerada morta. A definição de morte a partir de pacientes terminais é um tema que ainda polariza discussões e leva à reflexão de quais parâmetros são aceitáveis para determinar o fim de uma vida. Em 1968, o "Relatório de Harvard" mudava a definição de morte, sendo aceita não apenas nos casos de paradas cardíacas, circulatórias e respiratórias, mas também sendo incluída nessa lista a morte cerebral. Ainda hoje, parentes de pessoas que se encontram nessa situação delicada ainda resiste em aceitar o quadro clínico. E esse tem sido o maior empecilho para a realização de mais transplantes no país, por causa do grande número de rejeições de doação de órgãos. Enquanto isso, a fila de espera por um doador só faz aumentar.

Apesar do desejo de doar ser de responsabilidade do indivíduo, é a família que autoriza ou não a retirada de órgãos e tecidos. E, como existem ainda muitos mitos e dúvidas envolvendo o assunto, a decisão - que já é rodeada por um forte impacto emocional - fica mais difícil. De janeiro a fevereiro de 2009, os hospitais de Pernambuco notificaram 37 mortes encefálicas, segundo a Secretaria de Saúde. Em 2008, o número total foi de 274.

De acordo com a médica plantonista do Hospital Real Português, localizado na Avenida Agamenon Magalhães, Dra. Feliciana Castelo Branco, o diagnóstico é decretado quando o paciente entra em coma profundo, sem resposta motora e nenhuma atividade cerebral. Nesse caso, é constatada a ausência total e irreversível da função do córtex e do tronco. Mas, graças aos aparelhos que reproduzem a função dos órgãos vitais, a medicina consegue manter funcionando, por tempo indeterminado, um corpo com quadro irreversível. "É difícil de uma família entender a morte do parente no caso da encefálica, já que o coração, um órgão considerado importante, continua a funcionar. Então, muitas vezes, existe a resistência de querer desligar os aparelhos", comenta a médica.

Os avanços da medicina em salvar vidas dão margem à esperança dos parentes, que, por muitas vezes, considera o último suspiro do batimento cardíaco como critério de vida. A lei no Brasil encara como homicídio a eutanásia (ato deliberado de apressar o fim de quem está morrendo). Já a ortotanásia, a "morte no momento certo", é considerada omissão de socorro e tem pena que vai de um a seis meses de prisão. Apesar disso, esse tipo de prática é freqüentemente realizada. Nela, o médico retira os aparelhos e deixa o doente seguir seu curso de morte.

Ainda segundo a Dra. Feliciana Castelo Branco, os procedimentos na hora de detectar a morte cerebral são bastante rigorosos e seguem detalhadamente o que determina o Conselho Federal de Medicina. "São feitos exames clínicos em intervalos de seis horas, por dois médicos diferentes, um deles deve ser neurologista e pode ser escolhido pela família. Ainda tem o exame complementar, onde é comprovada, definitivamente, a ausência da atividade cerebral", explica. Ela diz que também que, após a confirmação de que o paciente encontra-se em fase terminal, o caso é obrigatoriamente repassado à Central de Transplantes de órgãos do Estado, responsável por intervir, junto à família do paciente, nos assuntos relacionados à doação de órgão. “Depois disso, a família decide com a equipe médica sobre a condição do paciente. Se o doente será ou não retirado do suporte avançado de vida”, fala a profissional de saúde do Hospital Português.

Doação de órgãos ainda precisa de estímulos

A polêmica sobre doações de órgãos a partir de um paciente terminal ainda resiste e é retrato dos baixos índices de transplantes e da lista de espera de pacientes que aguardam por uma chance de sobrevivência. Em 2008, foram feitos em Pernambuco cerca de mil cirurgias, ou seja, 20% a mais em relação ao ano de 2007, de acordo com dados divulgados pela Central de Transplantes de órgãos de Pernambuco

Atualmente, 3.526 pessoas esperam nos hospitais por um transplante, sendo sete por um coração, 314 por um fígado, 1.080 por uma córnea, 2.125 por um rim. “A doação tem alcançado uma melhora a cada ano, mas, se comparado com a lista de espera, ainda beira a insuficiência”, comenta a coordenadora da Centra de Transplantes de Pernambuco, Dra. Zilda Cavalcanti.

De acordo com ela, os maiores problemas detectados pela equipe da central são a falta de sensibilidade por parte da família dos doadores, além da necessidade de capacitação dos profissionais de saúde, entre eles; médicos e enfermeiros. É necessário lembrar que a lei brasileira dar o direito apenas à família de autorizar a doação dos órgãos, mesmo que, enquanto vivo, o paciente opte pela doação.

“A recusa da família ainda é muito grande. É preciso um melhor conhecimento sobre como funciona o processo de doação de órgãos para que a idéia seja amadurecida. Tem gente que pensa que o paciente vai ser amputado, enquanto não é isso. Você que é doador avise a sua família para que ela exerça a sua vontade, quando você não puder mais expressá-la”, avisa a coordenadora do núcleo.

Box:

Tipo de doadores:
Quem pode ser doador?
Todo cidadão, após o diagnóstico de morte encefálica ou a parada do coração.
Doador vivo - A doação ocorre a partir de pessoas vivas, sendo permitida apenas nos seguintes casos:
- Órgãos duplos ou partes de órgãos, cuja retirada não cause transtornos à vida do doador;
- Quando não há grave comprometimento das aptidões vitais e da saúde mental;
- Quando não causa mutilação ou deformidade inaceitável.
Doador cadáver - A retirada de órgãos e tecidos destinados a transplante deve ser precedida de diagnóstico de Morte Encefálica. O transplante só pode ser autorizado após a realização, no doador, de testes de triagem para afastar infecção sangüínea. Um doador cadáver pode doar órgãos e tecidos para até 12 pessoas, portanto, após a retirada, o cadáver é devidamente recomposto e entregue à família ou aos responsáveis legais para o sepultamento.
*informações do site http://www.transplantes.pe.gov.br