quinta-feira, 29 de abril de 2010


Seu Nelson passa doze horas do seu dia preso no elevador. Não é porque quer. É o seu trabalho. Sentando em um banquinho, ele monitora a subida e a descida de pessoas que transitam em um prédio empresarial. Ele gosta do serviço, mas odeia a quantidade de “obrigado” que escuta diariamente. São quase dois mil. Apesar de Seu Nelson não ser mal educado e ter plena noção que as palavras são de agradecimento, se ele pudesse, acabaria com isso. Um dia, o velho Nelson se entristeceu por não receber um obrigado. Este, sim, seria o mais importante da sua vida. Ao chegar ao andar, a sua amada simplesmente virou as costas e foi embora.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Joana Maria



Joana Maria já nasceu com os pés no chão. Hoje, ela tem cinco anos e um semáforo como aliado. Toda vez que um carro se aproxima, a danada corre, levando consigo uma garrafa pet velha, cheia de água do poço, e um limpador feito de borracha. Estica-se todinha para tentar alcançar o pára-brisa, afastá-lo e depois jogar água no vidro dianteiro. Quando dá, ela também limpa o vidro traseiro. Todos os dias são assim. Sua infância vai embora junto com as necessidades. Para casa, Joana leva desaforos e algumas moedas.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Toda nudez será castigada


- Como você consegue escrever tão bem? – perguntou ele, olhando curiosamente para o texto
- Eu não sei escrever, apenas sei viver – disse ela
- Acho que a vida não tem me proporcionado boas experiências então, mas eu vou insistir – comentou o rapaz, mesmo com raiva do que tinha escutado.
- Para cada situação, eu crio histórias. Histórias enormes que chegam a não caber em minha memória. Levo sempre comigo uma caneta e um papel. Anoto, anoto tudo o que vejo, sinto e percebo.
- Eu também faço isso. Só que ultimamente as palavras fogem de mim, como se eu fosse um monstro terrível, sabe? Eu tento acalmá-las. Reúno as melhores frases e peço que elas dêem as mãos. Quando eu penso que está tudo resolvido e me distraio um segundo, elas fogem de mim novamente.
- Não as force. Elas fogem, pois não têm certeza do que você pensa sobre elas.

Ele parecia ter entendido muito bem o recado. Voltou para casa com um olhar mais aguçado e minucioso. Qualquer diálogo era motivo de atenção. Observou o trânsito pela janela do coletivo. Nada. Chegou em casa, esquentou a sopa de feijão que tinha feito na noite anterior, leu algumas revistas pendentes e foi tomar banho. As idéias cessavam. De repente, ele parou de pensar o que havia de pensar. Nada mais interessava, a não ser a água que escorria em seu corpo. Esse era um momento diário de tranquilidade. Foi aí que uma idéia surgiu. Em poucos segundos, o texto já estava ali, pronto na sua cabeça. Saiu nu do box e correu pela casa atrás de um pedaço de papel e uma caneta. Acabou tropeçando num vaso de flores. Fim da linha. Infelizmente, não encontrou nenhum dos dois. E as palavras que restaram não lhe permitiram construir sequer uma frase.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A pergunta errada (no lugar errado)


Geraldo, esse mesmo que de vez em quando deixa comentários neste blog, já não aguenta mais tanta enrolação com sua vida amorosa. Sempre alguma coisa dá errado.
Na última sexta-feira, por insistência dos amigos, ele decidiu sair para aloprar.
Aloprar, por sua vez, significa chutar o balde, beber até cair, dançar feito um doido na pista e não ligar para quem está olhando. Pois é, como muita gente, ele saiu de casa com esse objetivo, rumo a uma festinha descolada, que acontece quinzenalmente no bairro do Recife. Lá, por motivos não óbvios, ele conheceu uma garota, com a qual puxou papo. Apesar do som estridente, os gritinhos no ouvido permitiram que os dois trocassem algumas palavras.

Geraldo: Sim, mas como é teu nome?
Moça descolada: Essa não é a pergunta certa na Sem Loção. A pergunta certa é "Você gosta de homem ou de mulher?"

Geraldo faz cara de quem não gostou, mas continua o flerte.

Geraldo: Ok. Você gosta de homem ou de mulher?
Moça descolada: De mulher.

Geraldo sai, compra uma cerveja e vê a menina beijando um cara. Ele volta para tirar satisfação.

Geraldo: Pensei que tinha me dito que era lésbica
Moça descolada: E sou.
Geraldo: E esse cara que você beijou?
Moça descolada: É veado. Amigo meu.

p.s 1: Geraldo não vive nesse mundo. As coisas mudaram, meu amigo.

p.s 2: Façam suas apostas.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Da série: sinceridades que eu encontro por aí

Foto: João Miguel

Essa parede colorida é do espaço Oficina Ginga, localizado no município do Cabo de Santo Agostinho (a 41 km do Recife). Um trabalho social realizado com meninos e meninas da comunidade de Pontezinha, que inclui, entre outras coisas, aulas gratuitas de instrumentos musicais, maculelê e capoeira.
O texto retrata muito bem a angústia de uma criança diante de um mundo que não avança. Achei de uma sensibilidade incrível e resolvi postar a foto aqui no blog.

p.s: Não sei de quem é a autoria.