sexta-feira, 18 de dezembro de 2009



Prólogo.

A vida é a arte do encontro, já dizia o grande mestre Vinícius de Morais.
Eduardo e Mônica, personagens da música de Legião Urbana, perdem para Anita e Gilberto. Nunca escrevi uma história romântica, talvez por não saber conduzi-la. Sou tão atrapalhada em minhas próprias situações, que dissertar sobre as dos outros seria uma experiência lastimável. Mas, a minha cabeça fervilha e implora por vivências.
Isso! Foi uma vivência que me deu inspiração suficiente para relatar o meu primeiro conto-romance de gaveta. A inexistente relação de Anita e Gilberto era o que havia de mais legal. Este propósito me levou a escrever (e criar) a história. Amor platônico? Fica ao seu critério...

Parte I - O trágico fim.

O fato é que Gilberto levava Anita tão a sério, a ponto de enviar, no meio da madrugada, a seguinte mensagem suicida para uma amiga: “Por que ninguém consegue gostar de mim?”.
Era 1h30. Aline deu um pulo da cama com a frase que acabara de ler. Como ela não sabia decorado de quem era o número, começou a procurar desesperadamente na agenda telefônica. Até que, enfim, chegou no Gilberto.

- “Deve tá bêbado”, pensou ela, voltando a deitar a cabeça no travesseiro para não perder o sono.

Aline já imaginava o porquê de Gilberto enviar a maldita mensagem de madrugada. E ela ficava mais puta da vida quando o seu pensamento era confirmado.
No outro dia, ela o procurou para saber o que diabos tinha acontecido. Aline e Gilberto conversavam bastante por e-mail, já que passavam o dia em seus respectivos trabalhos. Apesar de uma profissão vagabunda de jornalista, eles não eram vagabundos.
Vez ou outra, tinham diálogo e brigas intermináveis a respeito da tal menina que Gilberto se apaixonou perdidamente. Ele não é otário, mas se comportava como um quando falava de sua amada.

- “Que mensagem foi aquela que você me enviou ontem de madrugada?”
- “Desculpa, mas é que eu estava muito mal. E como você é a única pessoa que sabe sobre Anita, sobrou pra você o desabafo. Prometo não fazer de novo.”
- “Tudo bem, mas tá na hora de você começar a esquecer, definitivamente, essa mulher...já chega, Giba”
- “Vi Anita com um cara ontem no show. Ele era feio pra caralho e mais velho do que eu. Não me conformei, surtei e fui embora.”

O p.s do e-mail dizia: 24h sem dormir e cheio de nicotina no sangue. Não sei como essa sexta-feira vai terminar.

Parte II - O início: um show de rock.

Vamos ao começo da história. Um início convencional, do tipo “Era uma vez...”

Gilberto não costumava se arrumar muito para sair. Colocou a velha calça, a blusa frouxa e os sapatos que imploravam para ser doados. Tinha um cabelo comprido, típido de metaleiro.
Foi à rua, como sempre, bastante desanimado. Ele não disfarçava nem a cara azeda. Fazia questão de ser chato mesmo. E não adiantava reclamações, ele iria franzir a testa quando fosse preciso.
O destino daquela noite foi um de show de rock pesado. O lugar estava cheio de gente. Gilberto chegou e foi logo comprar uma cerveja para ser sua companheira. Com os braços cruzados, ficava atendo olhando ao seu redor.
Ele era um rapaz bastante observador, tinha uma olhar crítico em relação a tudo. O pessimismo também lhe acompanhava. Nada parecia estar bom. Sempre havia algo para criticar.
Gilberto resolveu, então, dar uma circulada. Encontrou com uma amiga da época de colégio. O nome dela era Amanda. Os dois conversavam harmoniosamente. Gilberto até se engraçou para o lado dela, resolvendo investir na moça. Mas uma terceira menina cruzou o seu caminho. Giba olhou fixamente para ela, que caminhava seriamente em sua direção. Por uns segundos, a vista dele escureceu. Ele entrou em transe ao ver aquela bela moça dos olhos verdes e do cabelo preto. A lata de cerveja, cheinha, quase caiu no chão com a tamanha demência. “Minha nossa”, suspirou.

- “Oi gente.”, disse a bela moça dos olhos (surpreendentemente) verdes.
- “Giba, esta é Anita, minha amiga da faculdade”, esclareceu Amanda.

Mesmo contente, Gilberto não conseguia se expressar. Estendeu uma mão com o cigarro acesso e a lata de cerveja na outra. Deu um sorriso de lado, apenas. Anita ficou meio sem graça.

- “Ele é sério, né?”, cochichou para a amiga.
- “Não, ele só tem essa casca grossa, mas é gente boa. É só não falar merda pra ele e fica tudo certo.”

Mal sabia Amanda que, mesmo se amiga falasse merda, ele continuaria encantado. Gilberto e Anita passaram a noite conversando. O assunto era diverso. Falavam sobre bandas favoritas, o que gostavam de fazer e o que faziam de suas vidas. Ela havia acabado de entrar na faculdade de ciências sociais e ele já era formado há tempo em jornalismo. As notas das músicas do rock pesado reverberavam um sentimento que jamais havia existido. Era como se o mundo havia acabado ali, restando apenas os dois. Aquela noita ia ficar marcada. Gilberto, que já estava desesperançoso com mulheres, se viu estimulado. Os dois se deram bem. Mas, por enquanto, nada de paixão.

No outro dia, o celular de Anita tocou logo cedo.

- “Oi, desculpa te acordar. Passei a noite pensando em você e resolvi te ligar.”

Giba não costumava ser romântico e, muito menos, meloso, a ponto de fazer riminhas nas frases. Mas, na noite anterior, tinha prometido para si mesmo que iria “agarrar” Anita.

- “Poxa, eu estou dormindo. Liga uma outra hora.”
- “Mas, é que...”

Tudo o que Giba ouviu foi o som ocupado do telefone. O coitado havia treinado a madrugada todinha para fazer a ligação. Começou a andar de um lado para o outro no quarto, pensando como poderia ser a próxima abordagem. Apesar da mancada, ele não desistiu. Esperou a hora do almoço e retornou.

- “Oi, sou eu de novo...”

Anita ainda não estava acordada, mas seu sono era leve. Ela atendeu o telefone sonolenta, sem saber direito com quem estava falando.

- “Você? Quem?”
- “Sou eu Anita, o Giba!

(Filho da puta, pensou ela.)

- “Ah...tudo bom?”.
- “Tudo. Te liguei pra gente ir tomar sorvete.”
- “Olha, eu ainda nem almocei.”
- “Então, vamos almoçar?”
- “Minha mãe fez almoço farto hoje. Não posso fazer essa desfeita.”
- “Tudo bem. Ligo outra hora”
- “Tá...”
- “Beijos.”
- “Outros.”

Na noite anterior, Anita até havia se interessado pelo rapaz. Só que a insistência dele logo de cara não foi legal. Ela começava a pegar abuso, enquanto ele se apaixonava...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Parte III – A conversa ainda perdura.

A noite, no msn, Anita e Gilberto enfim conversaram. O nick dele era direto e prepotente: Giba – todo começo é angustiante. Já o dela era apenas Anita, com a simplicidade de uma garota. O diálogo estava indo bem, mas Gilberto acabava estragando tudo por causa de suas flertadas sem graça.

- “Ah, sou fã de Ozzy Osbourne”, comentou Anita.
- “É, eu detesto, mas você é linda mesmo assim.”
- “Quanta gentileza”, disse ela, respirando fundo.
- “Ei, vamos sair?”
- “Vou aqui tomar água...”

Anita se saiu, queria mesmo despistar o “mela cueca”. Gilberto ficou lá à espera da amada, firme e forte. Ele estava de olhos perdidos na tela do computador e suava de tanta ansiedade. Era uma paixão que nem ele mesmo sabia de onde vinha. Sempre achava esses sentimentos uma grande besteira.

- “Iai, decidiu?”
- “Eu estou de TPM! Você não se incomoda?”
- “Não tem problema, eu adoro mulheres de TPM.”
- “Sabe qual é a diferença entre uma mulher de TPM e um pitibull?”
- “Não”
- “O batom”

Giba caiu na gargalhada.

- “Olha, até com TPM você é sensacional. Desculpe, mas vai ser muito difícil ter raiva de você.”
- “Você não me conhece pra tá dizendo isso. Vai se arrepender.”
- “Eu quero tentar me arrepender.”

“E se eu te mandar tomar no cu?”, pensou ela. Giba não se tocava, parecia um retardado. Sua paixão ia além do estado natural das coisas e até da sua própria personalidade.
Anita já não aguentava mais as piadinhas idiotas. Decidiu, então, fazer um sacrifício. Ela optou por falar na cara dele que ele era um otário, tinha um bigode de nazista nojento e um cabelo de fazer doer o estômago. O sistema nervoso já havia trabalho bastante. Anita gostava mesmo era de homens peludos.

Parte IV – Abre os olhos.

Cinco horas da tarde. Gilberto estava de pé, esperando em frente à pracinha que ele havia combinado com Anita. Ela chegou apressada, anunciando que não podia passar muito tempo por ali, pois precisava voltar para casa logo.

- “Mas Anita, é a primeira vez que a gente se encontra.”
- “Olha, não discute.”
- “Sua TPM não vai me intimidar.”
- “Eu tenho uma coisa pra te dizer.”
- “É mesmo? Você tem namorado?”
- “Quem dera...seria tudo muito mais fácil.”
- “Fala logo.”
- “Nós somos diferentes.”
- “Diferentes? Não, não somos. A gente até gosta das mesmas bandas, você viu!”
- “Não é disso que estou falando.”

Gilberto olhou para Anita desconfiado.

- “Você é um otário, tem um bigode de nazista nojento e um cabelo de fazer doer o meu estômago.”
- “Hey, vamos parando. Não vou deixar que você me ofenda. Estou aqui com todo amor pra dar. Qualé?”
- “Tenho que ir.”
- “Peraí, você tá com um fio enorme na bochecha. Deixa eu ver”, disse ele, tentando puxá-lo.
- “Não toque aqui.”, gritou ela, colocando a mão no rosto.

Quando Anita se virou, Giba notou que nascia um rabo no lugar da bunda. Ele ficou paralisado, olhando aquele fenômeno transformista (hollywoodiano) diante dos seus olhos. Antes mesmo que saísse alguma palavra de sua boca, a revelação veio à tona.

- “É isso mesmo, eu sou uma lobiwoman.”
- “Uma lobi o que?”
- “Isso, uma lobiwoman. Agora, preciso ir. Você não vai gostar de ver o efeito completo.”

Anita saiu correndo. Gilberto ficou em estado de choque. Seu rosto estava flácido e a baba descia no canto da boca. O coração estava acelerado. O amor havia se tornado ainda mais intenso.

Parte V - Nem todo fim é o fim.

Gilberto acessou a página do google e digitou a palavra “lobisomem” no campo de busca. Apareceram milhares de opções na pesquisa, incluindo sites sobre filmes, livros e jogos de RPG. O blog “infernorama” parecia a fonte mais confiável sobre o assunto. Lá ele encontrou todos os detalhes da maldição da lua cheia.
Depois de ler tudo e se inteirar do tema, ele ligou para Anita várias vezes, mas ela não atendeu. Deixou recado, mandou mensagens, e esperou por várias horas e nada. Então, resolveu ir ao prédio dela. Pediu para o porteiro interfonar, mas ninguém atendeu no apartamento.
Foi aí que ele atravessou a rua, caminhou até uma pequena praça que ficava em frente ao prédio e sentou-se em um dos bancos. Então percebeu que era noite de lua cheia, por isso Anita não estava em casa. Ela havia se transformado e tinha saído noite adentro. Gilberto preferiu não pensar no que ela estava fazendo solta por aí na forma de lobo, mas sabia que precisava esperar até o amanhecer para encontrá-la.
Ficou no banco da praça até de manhã. Por volta das 6 horas, um táxi parou em frente ao prédio e Anita desceu. Gilberto correu em sua direção e gritou seu nome.

- Você? Que porra tá fazendo aqui? – disse a menina, assustada. Ela estava toda suja e com as roupas rasgadas.
- O que houve com você?
- Você sabe o que houve. Eu lhe mostrei.
- Mas e suas roupas?
- Eu virei um lobo, idiota. Por isso minhas roupas rasgaram – gritou ela, batendo em Gilberto com sua bolsa.
- Algum problema, dona Anita? – perguntou o porteiro, da guarita do prédio.
Não. Tudo bem – respondeu ela. – Agora vá embora, Gilberto.
- Eu li sobre seu problema. Talvez eu possa te ajudar.
- Você acha que se tivesse cura, eu já não teria feito? Vá embora – pediu ela, e então, entrou no prédio.

Gilberto ficou olhando ela subir as escadas. Então ele se deu conta de que estava realmente apaixonado. E se não tivesse cura para ela, teria para ele.
Gilberto estava disposto a se transformar em lobisomem. Ficou pensando o que diria a seus pais quando eles descobrissem ou se a mordida de um lobisomem doía muito. Mas por amor, ele faria tudo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Vai bem aos ouvidos.


Eu ainda não tinha postado nenhuma crítica aqui neste blog. Como estou procrastinando o próximo post há algum tempo, resolvi colocar um texto que escrevi sobre o novo CD de Otto.

Assim, mato três coelhos com uma tacada só: o blog não fica velho e ainda ganha um texto de estilo diferente e pessoas não pertubam o meu juízo. :)

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Após seis anos de espera, eis que os fãs de Otto podem, finalmente, desfrutar de uma nova produção autoral. “Certa manhã acordei de sonhos intranquilos” é o nome do recém-lançado 7º álbum do artista, que também traz a essência do batuque futurista e brota dos mangues recifenses, como os anteriores. O CD foi co-produzido por Pupilo (batera da Nação Zumbi), contém dez faixas e está recheado de participações especiais, tais como Catatau (líder da banda Cidadão Instigado), Céu, na faixa “O Leite”, Julieta Venegas, nas faixas “Lágrimas Negras” e “Saudade”, além de Dengue (baixista da Nação Zumbi) e Lirinha (líder da banda Cordel do Fogo Encantado).

O último disco, “Sem Gravidade” (2003), deixando de lado a gravação do MTV Apresenta (2005), não chega nem aos pés do atual trabalho. Aos que acham que Otto tem uma péssima dicção e não canta nada, sugiro que comecem a abrir uma exceção. O ex-mangueboy, pela primeira vez, consegue abortar um material de qualidade, com música de letras poéticas e que, principalmente, fazem sentido, alinhadas a bons arranjos de cordas.

“Certa manhã acordei de sonhos intranquilos” fala de amor, não aquele obsessivo, mas algo mais simples, humano e fraterno. A fraternidade, por exemplo, aparece na música brega “Naquela mesa”, regravação de Sérgio Bittencourt. Com a base constituída por um som cafona de teclado, a letra narra as lembranças do filho sobre um pai ausente. No estilo de cantar, Otto traz à memória artistas como Benito di Paula, Luiz Ayrão e Agepê. Um brega de luxo, como os de antigamente.

Os batuques de origem manguebeat aparecem com intensidade em “Janaína”, uma letra em devoção à Iemanjá. A faixa “Meu mundo”, com participação de Lirinha, também possui batidas eletrônicas típicas da ex-banda Chico Science e Nação Zumbi.

Mas é depois de "Lágrimas Negras" que a composição musical começa a complicar. É o caso da música "Agora sim", onde ouvimos "Agora sim o saci, agora são dois irmão, agora posso correr, agora preste atenção". Será uma ode ao saci pererê? Bom, fica a questão. Já a desafinada acontece em “Filha”, quando o cantor parece não ter encontrado a nota adequada para a sua voz.

Considerando que o álbum foi gravado em um esquema de independência, sem a mão de uma gravadora e em conjunto com o Garage Band - programa que emula recursos de gravação e mixagem de um estúdio - Otto consegue realizar um trabalho autoral de qualidade e intenso. Na capa, o cantor parece fazer uma relação do mangue com os possíveis sonhos intranquilos. O título é uma transcrição da frase que abre o texto “A Metamorfose”, do escritor de ficção Franz Kafka (1883-1924): “Quando certa manhã Gregor acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Resta saber em que momento e qual foi a experiência que Otto passou para se identificar com esse verso tão profundo.