quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

“A mãe do Lula”


Dia 1º de janeiro é tediante. A cidade fica calma, os carros e as pessoas desocupam as ruas, o comércio é fechado e a televisão brasileira não passa nada que preste. Então, após comer um R.O, fui tentada a assistir a estréia do filme “Lula, o filho do Brasil”, dirigido por Fábio Barreto.
A sessão estava lotada de pessoas curiosas em confirmar o desastre que é a película ou admirar a sofrida trajetória do nosso presidente.
Começou com uma enorme tela preta e o aviso de que o filme não recebeu nenhuma lei de incentivo para ser produzido. Tudo bem, a gente acredita. Mas nunca antes na história desse país eu vi tanta empresa privada patrocinando um filme. Diante dos nossos olhos, uma lista de marcas subia na tela: Camargo Corrêa, Senai, Grendene, Souza Cruz, Volkswagen, Hyundai, OAS, Odebrecht, Oi, Ambev (sendo representada pela Brahma) e até o grupo EBX, de Eike Batista. As piadinhas do público foram inevitáveis. Deveriam ter tomado muito cuidado com isso, já que de cara incita a não aceitação da crítica (e dos telespectadores, claro).
Aí, vem o segundo grande lance: o filme do Lula não é do Lula! É da mãe dele. A pessoa que mais se evidencia na trama é Dona Lindu.
Fábio Barreto tinha em mãos a matéria-prima de uma história de vida excepcional, merecedora, sem dúvida, de um bom roteiro. Mesmo assim, ele deixou a saga única de um retirante nordestino que chega à Presidência da República, apesar da desigualdade brasileira, ir para o beléu.
“Lula, o filho do Brasil” não convence nem os mais sensíveis. O sertão é sutilmente apresentado e a pobreza não é afetiva. As cenas são quase um déjá vu de outros filmes que envolvem o interior nordestino. Quando criança, Lula parecia um garotinho predestinado à vida política. Como pode?
Sem falar na narrativa, que é linear e bastante convencional. Em uma cena ele é um simples metalúrgico e, em dois minutos, vemos o “futuro do país” discursando como presidente de sindicato.
De um melodrama épico (bastante explicadinho e redundante), o filme se torna cansativo da metade para o final. As imagens da iniciação política já foram vistas por diversas vezes nas matérias da TV Globo. Um amontoado de clichês. Como se justifica uma produção tão decadente dentro de um orçamento de, aproximadamente, R$ 31,6 milhões. Abre parêntese. Desvio de dinheiro? Em tempo, a campanha da Dilma Roussef, daqui a alguns meses, deverá estar recheada de produções cinematográficas. Fecha parêntese.
O filme termina quando Dona Lindu morre e Lula sai do DOPS, após passar um mês comendo o pão que o diabo amassou. A gente subentende isso, pois as ceninhas de Lula levando porrada foram confiscadas. A politicagem é apenas pincelada nos discursos pífios, que não chegam nem próximos da tão bem falada oratória lulista.
Apesar de uma carga dramática, “Lula, o filho do Brasil”, diferente de “Dois filhos de Francisco” (desculpe, a comparação foi involuntária), não conseguiu tirar uma gota dos meus canais lacrimais.

p.s1: esse post não tem nada a ver com minha escolha política, pois, assim como você, também votei em Lula duas vezes seguidas.

p.s2: decidi escrever sobre “Lula, o filho do Brasil” porque ele é ruim. Não tanto quanto “Do começo ao fim”, que, de tão catastrófico, abandonei na metade.

p.s3: de emocionante, só a trilha de abertura intitulada "Jornada", feita por Antônio Pinto.

p.s4: o Brasil está para Lula, assim como Lula está para o Brasil. Lula tem a alma do povo. E é exatamente isso que identifica essa proporção direta e o legitima como “filho do Brasil”.
Para fechar, um poema de Mário de Andrade, do qual me recordei ao ver o filme:

Ode ao Burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burgês!...

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