terça-feira, 17 de março de 2009

Da palavra ao encanto


“Agora veja a minha situação: vender o que não se vende, vender poesia, vender o sublime, pregoar o invisível, botar preço no que não tem preço.”
Trecho do livro Mercadorias e Futuro

De barba e com o cabelo mais curto, José de Paes Lira chegou ao Teatro de Santa Isabel, no Recife, em companhia dos três filhos e do empresário. Os passos apressados justificavam as duas entrevistas que ainda iria conceder, faltando apenas uma hora para o início do espetáculo. Sim, essa tensão já faz parte do dia-a-dia do vocalista da banda Cordel do Fogo Encantado há 11 anos, mas aumentou bruscamente depois que ele, paralelamente aos shows, passou a dedicar-se à literatura e ao teatro.

Em apenas um mês, foram dois livros lançados: “Garoto Cósmico”, dedicado ao público infantil, da editora paulista FTD; e “Mercadorias e Futuro”, pela Ateliê Editorial, dentro da coleção LêProsa, que acabou virando uma peça de teatro. Como ele mesmo atesta, a experiência de unir as duas artes não é nova. “Afinal, eu comecei pela palavra, através da escrita e da interpretação.” O fato é que o que para o público aconteceu de repente, para ele está sendo um resgate ao que já havia feito um dia. E nem precisa dizer que realidade e ficção se misturam na trama apresentada pelo próprio músico, que vive o personagem Lirovisk.

Com uma performance que une efeito de luz, som, poesia e improviso, grosso modo o espetáculo poderia ser encarado como uma apresentação qualquer do Cordel. Mas, sem muito tempo para respostas longas, Liinha garante ser bem diferente. “O espetáculo é feito assim: o personagem é construído com um pedaço de memória e um pedaço de invenção. O próprio nome já revela isso, o radical lira, que é o meu nome, e o ovisk, que é uma fantasia, uma brincadeira, uma outra coisa, sabe?”, explica.

Produzido e co-dirigido pela atriz Leandra Leal, sua atual namorada, “Mercadorias e Futuro” tem duração de 60 minutos e é uma verdadeira crítica à aura profética atribuída a Lirinha, devido às suas apresentações, digamos assim, sobrenaturais. Na hora da descontração, ele até achou graça a idéia de poder controlar a vontade do tempo. Ainda mostrando inquietação diante do assunto repetitivo, ele rabateu. “Essa história de conseguir fazer chover não existe (risos). É um grupo que tem uma intenção catártica, uma intenção de tirar você de um lugar e colocar em outro, mas isso não significa que é algo paranormal”, comenta.

No palco, Lirovisk (ou Lirinha?) tenta convencer as pessoas de que o produto que ele está ofertando – um livro de profecias – é imprescindível para as suas vidas e que, por isso, devem comprá-lo. Durante as falas, um pouco de suas memórias é traduzida em poemas que escreveu quando criança. Dono de um talento precoce, o arcoverdense começou a compor aos 12 anos. “A minha primeira atividade artística foi recitar poesia. Eu já escrevia várias coisas em casa. Depois de ter tido essa experiência, eu decidi fazer teatro, depois comecei a compor letras de músicas.”

Foi na experiência musical que Lirinha aprimorou a sua performance, provocando uma mistura diferente de ritmos, embalados pelo som que nasceu da variedade da cultura nordestina. De seus cantadores e poetas populares. Na hora da apresentação, o troar dos tambores juntamente com as letras das músicas, impressiona a platéia, que entra em transe. Este ano, o grupo trabalha no lançamento do quarto disco, que está em fase de pré-produção em São Paulo. “Até agora, já existem 11 músicas com mais alguns poemas e vinhetas que eu ainda termino de compor”, comenta o líder da banda, que consegue arranjar tempo para tantas criações.
Mesmo com uma agenda carregada, o músico não deixa de visitar a sua terra natal, o município de Arcoverde, no Agreste de Pernambuco. Em média, consegue ir oito vezes por ano. “Quando chego lá, deixo minhas malas em casa e vou logo ver minha filha, Elvira, e meus amigos de infância. Esses encontros são fundamentais para mim.”

Quando não está no Nordeste, Lirinha aproveita o mínino de tempo livre para ler e escrever “bobagens”, ditas assim, pois não vão nem para o Cordel, nem para a peça, nem para nada. “Escrever livro não dá pra ser nas horas vagas, pois essa atividade passa das horas vagas e termina entrando nas horas não vagas. Você termina entrando nas horas não vagas. Você termina mergulhando muito. Para escrever mais ou menos, não dá”. E continua: “Eu até queria escrever outro livro, mas não tenho tempo agora.”. O “Mercadorias e Futuro” levou cinco anos para ser concluído.

Apesar de transitar entre os diferentes estilos artísticos, Lirinha não se considera um “homem multimídia”. Segundo ele, quem executa vários trabalhos ao mesmo tempo termina se tornando superficial. Em linhas gerais, é como se a fusão das artes fosse uma unidade, algo que cresceu simultaneamente com a sua evolução artística. Mesmo com todo o talento, ele deixa bem claro que não quer seguir a carreira de ator. “Eu quero continuar nessa atmosfera entre teatro, música e poesia. Isso sou eu. Não comecei a ser ator agora”. E completa “Não quero ficar sendo vários personagens.”

Matéria veiculada na Revista Viasports - outubro/novembro 2008

Um comentário:

Anônimo disse...

"Escrever livro não dá pra ser nas horas vagas", diz Lirovisk (ou Lirinha?).
Dá sim, filho. É mais trabalhoso do que o normal, mas dá sim.
No mais, bom texto.
Tem que ser bom pra entender o que Lirinha fala e melhor ainda para por na matéria. :P